Esta é uma nova era. Quando mortos caminham livremente significa que algo está errado. Meu nome é Nathalia, eu estou lutando para ser uma sobrevivente dessa Era de Sangue.
Bem Vindos...
quarta-feira, 30 de maio de 2012
Fim da Linha.
Com os solavancos do Jipe, eu não fiz mais do que fechar os olhos. Prosseguimos no mesmo ritmo até um barulho de freio nos parar. Ainda com os olhos fechados eu pude ouvir a Lala saindo do Jipe e andando até a minha porta. Fui esperta o bastante para sair de perto antes dela abrir minha porta e me arrancar do carro.
-Senta ali.
A luz do sol me incomodou por um tempo e depois ficou normal, Lala havia apontado para um monte de pedras achatadas que serviriam de bancos para mim. Ela andou até a picape e pegou sua mochila preta antes de voltar com um olhar um tanto incomodado para mim.
-Desculpa te dar tanto trabalho.
Ela me encarou.
-Não, não é bem assim dona Bia. Você tá fazendo a parte mais difícil dessa viagem louca que você inventou. Tá toda quebrada, o seu ombro ainda não está bom e você lutou com um monte de soldados pra nos tirar das mãos daquela maluca. Bia, eu nunca conheci alguém tão suicida quanto você.
Eu sorri.
-Eu sei.
Ela sorriu e começou a trabalhar, pegou algodão e um pouco de álcool para passar nos ferimentos. Doeu, mas depois de levar um tiro, alguns chutes, quase ser estrangulada, vários arranhões e cortes, alguns hematomas sérios e uma possibilidade de estar um caco emocional, isso não foi nada. A parte mais difícil foi o corte profundo no meu braço direito. Ela precisou de linha e agulha para fechar, e ainda colocou uma gaze por cima. Se eu continuasse nesse ritmo, estaria quebrada em poucos dias. Depois de me deixar toda suturada, Lala foi ate Lucas que também não estava tão inteiro. Ela estava certa, eu estava na parte mais difícil dessa jornada, claro que não me incomodava, de modo algum, eu me responsabilizo total e completamente por meus amigos. É só que, e se eu estiver bancando a durona e me der mal no final? O que eles vão fazer?
-Bia?
Tatz, Pammy e Iara vieram falar comigo.
-Oi meninas.
-Você tá legal?
-Um pouco machucada e dolorida, mas vou ficar bem.
Elas sorriram.
-É, não é fácil te derrubar né?
-Não mesmo!
Elas continuaram conversando enquanto eu fui falar com o Phe.
-Preciso falar com você.
Ele parou de arrumar as malas na traseira da picape e se virou.
-O que aconteceu?
-Não, relaxa. É só que tinha alguma coisa com aqueles soldados daquela mulher maluca lá atrás.
-Como assim?
-Ela jogava um jogo, um jogo doentio e elaborado que deve ter levado meses até ficar pronto. Ela nos colocou dentro de um círculo formado por seus soldados, dois atacavam cada um e a cada soldado morto dois o substituíam. A lógica não é difícil, o jogo não foi feito para ser ganho, o problema é que quando atiramos naqueles soldados, eles não morriam.
Ele continuou me encarando.
-Mas se fossem zumbis eles...
-É isso que eu to querendo dizer. Aconteceu alguma coisa na cidade enquanto a gente fugia, e eu preciso descobrir o que foi antes que o envolvido com isso tudo, se pronuncie.
-Certo, mas a gente não pode voltar.
-Não, não podemos, mas a casa da praia é movida por um gerador á Etanol, o que temos de sobra, eu acho.
-Não é bem assim. Temos duas garrafas que vão dar para os próximos vinte quilômetros se tivermos sorte. Esses carros não são muito, ecológicos.
-Entendo. A gente precisa resolver isso.
Antes que eu pudesse me virar ele falou.
-Se o que você disse é provável, esse apocalipse não é tão mortal assim. Veja, os soldados se comunicavam e obedeciam ordens. Isso não é um ponto totalmente negativo.
-Eles se comunicavam e obedeciam ordens de uma completa maluca, o que sugere que são treinados para isso, o que nos leva para um apocalipse mais mortal do que se estivéssemos falando de zumbis moribundos que só se importam com seu almoço.
-Certo.
-Certo.
Eu fui até o Jipe e parei um pouco para pensar onde estávamos, Anne veio comigo.
-Estamos no caminho certo mas, muito atrasados.
-Eu sei. Não vamos passar outra noite na estrada, eu vou chegar naquele condomínio hoje.
-Então é melhor se apressar, são quase quatro da tarde agora.
Ela sinalizou um relógio de pulso que estava usando.
-Certo, reúna todo mundo por favor. Precisamos esclarecer algumas coisas.
Assim que todos estavam perto o bastante para me ouvir, eu falei.
-A situação é a seguinte. Temos duas garrafas de combustível o que vai nos levar até no máximo vinte quilômetros daqui, nossa sorte, a entrada do condomínio fica a pelo menos quinhentos metros, mais um quilômetros de trilha por entra as montanhas e alguns metros até a casa. Dá pra chegar.
-Qual a notícia ruim?
-Não temos disposição, treinamento nem vontade o suficiente para limpar aquela casa hoje. Eu to toda machucada e quero muito, muito uma cama decente pra dormir.
-O que você propõe?
Eu apontei para a placa escondida pela vegetação.
-Bem-vindos á pousada Bella-Vista.
Eles começaram a murmurar alguma coisa sobre perigos e zumbis então eu os interrompi.
-Essa pousada tá fechada a pelo menos vinte anos, o que nos dá passe livre pra invadir sem incomodar ninguém, outro ponto forte é que ela é totalmente cercada por muros altos, fica dentro de um bosque com muitas árvores e não é fácil de entrar. Um zumbi não conseguiria chegar até o portão, quem diria perto da casa. É seguro e totalmente confiável.
-Qual a notícia ruim Bia...
-Como ficou vinte anos fechada, eu duvido que as instalações sejam boas, e tenho minhas dúvidas sobre ratos morando lá dentro.
-Ah, ratos!
-Como se eu fosse me importar!
-Que nojo...
-Ratos? Gente, acabamos de encontrar com zumbis com as tripas para fora, passamos a noite na floresta, fomo atacados por soldados malucos e uma mulher doida de pedra. E você se preocupam com ratos?
Eu sorri, nada como a lógica para colocar sentido as coisas.
-Tá né!
-Se for assim...
-Eu topo.
E então entramos nos carros, seguindo pela trilha abandonada que levaria até a pousada Bella-Vista. O caminho, sinuoso e irregular, demorou um pouco mais do que esperávamos, tudo porque uma árvore muito velha estava caída pela trilha. Depois disso seguimos o caminho de paralelepípedos até o grande portão de ferro. Ele estava um pouco caído, todo enferrujado e não duvido que com apenas um toque ele desmonte inteiro, mas estava pronta para uma bela noite de sono e um descanso muito merecido.
-Bia?
-Eu.
-Eu não confio muito nesse lugar não.
Saímos dos carro para ajudar no portão enquanto a Tatz andava comigo.
-Relaxa Tatz, passar a noite aqui vai ser moleza.
Ajudamos a abrir o portão e passamos com os carros. O lugar era maravilhoso, cheio de árvores, uma trilha de pedras, um lago, alguns bancos de jardim e muitas flores. Parecia que mesmo com vinte anos de abandono aquilo ainda era um paraíso.
-Uau!
-Uau mesmo! Ola pra esse lugar...
-Gente! Tem piscina!
-Onde?
-Olha lá!
Era a maior piscina que eu já vi na minha vida. Tinha um trampolim e algumas espreguiçadeiras em volta, a grama verde formava um grande retângulo em volta da grande piscina.
-Eu vou querer dar um mergulho.
Eu olhei para a Pammy.
-Tá maluca menina? Se não sabe o que tem lá dentro, e olha que em todos os filmes que vimos ninguém jamais entrou nas piscinas de casas desconhecidas e desabitadas. Vamos ter certeza primeiro está bem?
-Eu quero mesmo é comer. To morrendo de fome.
-E quando é que você não está com fome Phe?
-Quando eu estou dormindo oras!
Eu sorri.
-É, eu também.
-Então vamos entrar, aposto que aí tem uma cozinha.
-Ter eu também aposto, vamos ver se ela já não está habitada né!
Então entramos, tenho que dizer, fiquei impressionada. Estava tudo empoeirado e cheirando a mofo mas a recepção estava muito bem mobiliada e com todos os equipamentos de um hotel. Era tudo muito antigo, eu admito, mas ainda assim.
-Bia?
-Sim.
-O que realmente aconteceu com esse lugar?
Eu não me lembrava muito bem da história. Apenas algumas partes.
50 anos atrás, Fillip Monterey chegou nesta ilha com uma mala e 20 reais no bolso. Ele era um empresário peruano que resolveu sair do país e tentar alguma coisa aqui. Ele não se saiu muito bem nas empresas mas com o dinheiro que conseguiu construiu essa casinha no meio da floresta. Ele não se casou, não teve filhos mas teve uma secretária. Quando ele morreu a secretária tomou conta do lugar, construiu um jardim e passou a morar aqui. Alguns diziam que ela morria de amores pelo chefe mas ninguém sabe. Ela ficou velha e já tinha feito todo o trabalho por aqui, a sobrinha dela esperou até a sua lenta morte pra transformar o lugar pacífico em uma casa noturna pra ela e os amigos se divertirem, a polícia descobriu e fechou o lugar. Bem mais tarde essa sobrinha se casou e precisava de grana, na época os turistas não paravam de vir e então ela abriu a pousada Bella-Vista. Com esse lance a mulher ficou rica e resolver manter o negócio até os anos 90 quando houve a tal razão pro lugar ser fechado. Com a pousada lotada, todos os quartos reservados e tudo indo as mil maravilhas pra tal sobrinha, não havia quarto para mais ninguém. Uma pena para Pedro Barros, um comerciante qualquer que chegou numa noite de tempestade á pousada.
-Sinto muito senhor, mas estamos com a capacidade máxima já ultrapassada.
-Eu entendo.
Ele deu um sorriso torto, pegou sua maleta e, antes de cruzar a soleira da porta, tocou a aba do chapéu encharcado pela chuva torrencial que caía lá fora.
-Pobre homem...
Eu tinha que correr atrás dele, não podia deixar um ser humano como ele numa tempestade como essa.
-Senhor! Senhor, espere!
Ele deu meia volta.
-Se não se incomodar, temos um quartinho nos fundos que colocamos alguns materiais. Um casal vai embora de manhã, aí o senhor pode ficar com o quarto deles.
-É muita gentileza sua Madame.
-Ah por favor!- Eu sorri- Me chame de Line.
Ele sorriu.
-Me acompanhe, não queremos que o senhor pegue um resfriado.
Depois de acomodar o senhor misterioso no quarto de ferramenta, Elise Moreira foi dormir. Ela, e todos os outros 47 hóspedes foram mortos naquela noite. A polícia descobriu o lugar poucas horas depois do crime, uma menina de oito anos ligou dizendo que havia um assassino na pousada, a ligação terminou com um grito e um barulho de tiro. Foi o maior genocídio que já ocorreu na ilha.
-O maior genocídio de todos os tempos... Aconteceu aqui.
Eles pararam por um instante.
-Legal!
-Olha só Tatz! Vamos dormir num lugar mal-assombrado, dois itens da lista já foram.
As meninas estavam rindo, observando tudo o que poderia ser usado pra causar um assassinato como aquele, facas, candelabros... Tudo no lugar parecia macabro e incrível ao mesmo tempo. Não que a história não fosse triste, o que aconteceu foi horrível, mas agora, vinte anos depois do ocorrido, tudo não passava de algo irreal e imaginário.
-Bia? Mostra pra gente onde exatamente o assassino agiu.
-Depois meninas! Agora eu to mais interessada em comer muito e depois dormir um pouco.
Eu ri.
-Tudo bem, vamos comer então.
Rodamos um pouco o lugar, passamos por toda a recepção, uma ala que supomos ser a lavanderia e uma sala com um amplo espaço e um rádio velho, até que chegamos á cozinha. Uma porta dupla com janelas circulares, a cozinha tinha duas bancadas de metal e um chão branco. A primeira bancada tinha dois fogões embutidos e uma pia, a segunda ficava bem no meio da cozinha e provavelmente era usada para preparar os pratos.
-Bem, vamos trabalhar.
Fomos aos carros, pegamos o resto dos suprimentos que haviam drasticamente diminuído, ou o prazo de três dias estipulado estava muito certo. Agora tínhamos dois pacotes de macarrão, uma lata de óleo, algumas barrinhas de cereais e eu não sem quem teve a ideia brilhante de trazer milho e ervilha enlatados. Depois de deixar tudo organizado na cozinha eu expulsei todo mundo de lá.
-Lala?
-Oi.
-Vamos fazer mágica. Temos que nos virar com isso aqui.
-Tá legal.
Eu achei dois aventais com o logo da pousada e coloquei um, não por medo de sujar a minha roupa, que agora estava rasgada, suja de sangue e um tremendo farrapo, mas é legal cozinhar de avental. Prendi o cabelo num coque frouxo e comecei a trabalhar. Incrivelmente, ainda havia água encanada nas torneiras e um botijão de gás cheio nos fogões, seria mais fácil do que eu pensava. Por precaução, fervi a água antes de usá-la para a panela do macarrão, a Lala estava cuidando de abrir os enlatados e arranjar travessas para colocar tudo aquilo no final.
-Olha, macarrão sem gosto com milho e ervilhas não é bem meu favorito, mas é muito bem vindo.
Eu sorri.
-Claro, eu bem que queria um churrasco, mas estou com tanta fome que isso aqui vai servir.
Demorou um pouco, não estávamos acostumadas a mexer num fogão como aquele, e além do mais, precisamos tirar todo o pó das mesas que juntamos antes de podermos nos sentar.
-Bom, é isso gente. Acabamos com todo o nosso estoque de comida pra três dias.
-Hum!
-Oba!
-É, vamos comer gente.
Eu comi muito, como não comia há dias. Estávamos tão famintos que a Tatz comeu sem reclamar, e isso, é um verdadeiro milagre. Depois de comer cada um foi pegar sua mochila e escolheram um quarto para ficar. Eu não achava uma ideia muito boa, a casa tinha três andares, uns quatro quartos por andar, seria muita coisa para cobrir caso alguma coisa acontecesse. Eu peguei um quarto no primeiro andar, a Iara se colocou atrás do balcão quando fomos pegar as chaves.
-O que gostaria?
-Uma chave.
Eu ri, ela fazia um sotaque esquisito para falar. Ela se virou e pensou por um segundo antes de me dar uma chave com um babante amarrado, na chave o número 01 estava escrito. Ela tocou a sineta e pulou de volta para o nosso lado com outras nova chaves.
-Vamos ver como esta espelunca está.
Subimos as escadas e cada um parou na frente da porta indicada nas chaves. Eu coloquei minha chave na fechadura e girei, a porta se abriu com um rangido me mostrando um quarto pequeno com o ar abafado. Não tinha nada de especial, o chão era um carpete bolorento que algum dia poderia ter sido bege, as paredes tinham um papel decorativo de muito mal gosto. Havia uma cama de casal, um criado mundo com uma gaveta e uma janela ao lado de uma porta que eu supus ser o banheiro. Deixei minha mochila no chão e sentei na cama depois de tirar um pouco do pó. Resolvi abrir a janela para entrar um pouco de ar. Depois disso eu tirei a colcha levantando uma nuvem de pó que seguiu seu caminho para fora do quarto. Eu arrumei a cama e depois me sentei. Porque eu estava tão irriquieta? Resolvi dar uma olhada no banheiro. Nada de especial também. Um espelho embaçado, uma privada e uma banheira. Eu pensei em como seria bom tomar um banho agora, tirar essa roupa toda suja de sangue e relaxar um pouquinho. Eu girei a torneira enferrujada para a esquerda, primeiro nada aconteceu, depois ouve um barulho de canos se mexendo. Algum tempo depois a água começou a pingar, depois a sair em uma linha fina e finalmente a sair de um modo normal da torneira. Eu sorri, que sorte eu tinha de lembrar desse lugar.
Depois de algum tempo no banho eu resolvi sair, na minha mala havia uma toalha e algumas coisinhas mais que a gente precisa. O que foi algo muito esperto da minha parte ter trazido. Eu vesti minha calça jeans e minha camiseta branca com uma nota musical bordada. Calcei os tênis e resolvi andar um pouco. Ao sair do quarto dei de cara com uma Pammy de cabelo molhado.
-Bia! Você não vai acreditar, os banheiros têm...
-É eu sei!
Ela riu.
-Foi muita sorte a gente ter achado esse lugar, tomara que a gente fique tempo o bastante para dar um mergulho né?
-É, mas eu não prometo nada. Lembra do que aconteceu na loja de carros?
-É eu lembro...
-Mas ainda da tempo para um mergulho.
-Vou chamar o pessoal. Eu vou trocar de roupa.
Tá, eu não tinha realmente pensado que eu ia encontrar uma pousada velha com uma super piscina para dar um mergulho, mas eu trouxe um biquini. Só que eu não iria sair por ai com a barriga de fora e as pernas á mostra. Me enrolei na toalha e desci. Ao chegar lá em baixo, todos estavam se divertindo, e o sol prestes á se por. Eu fiz uma prece silenciosa para que esse pequeno momento durasse um pouquinho mais.
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