Um grito, me arrependi assim que pude escutar o som que eu mesma havia produzido. Não havia motivo para gritar,claro, algum maluco que morava numa cabana na floresta estava criando zumbis,mas fora isso, não havia motivo algum para gritar. O sol estava um pouco mais forte agora, com sorte seriam apenas 7 da manhã. Depois de algum tempo estavam todos os meninos ali, nenhuma menina. Sério. Por um momento eu fiquei muito ofendida, por que diabos nenhuma menina veio pra cá enfrentar qualquer tipo de perigo que houvesse? Como se meus pensamentos estivessem sido falados, Lala, Tatz, Anne e Pammy saíram da floresta.
-O que aconteceu?
-Você tá legal?
-Fala com a gente?
-Por que você tá sozinha na floresta?
-Tá tudo bem?
Meu corpo se virou instintivamente para as centenas de zumbis que murmuravam lá em baixo, eles me acompanharam, soltando o ar, quando a cena finalmente os alcançou.
-Como eles vieram parar aqui?
-É óbvio que alguém os trouxe pra cá!
-Quem seria a criatura que criaria zumbis?
Ao longe, perto da casinha no meio do nada, a caminhonete estava estacionada, a cor vibrante fez com que eu me lembrasse e os meus joelhos fossem de encontro direto com o chão. Alguém me ajudou a levantar, disseram alguma coisa mas eu não escutei. Se a caminhonete estava aqui, então ele também estaria, a criatura sem coração que rouba corpos das pessoas em luto. A criatura horrível que sequestrara um corpo também criava zumbis como se fossem animais de fazenda. Eu estava me dirigindo ao acampamento que montamos, apenas para resgatar um objeto e me colocar na trilha que levaria ao sequestrador de corpos. O termo parecia engraçado, parecia o nome de um filme de terror muito ruim. Assim que me certifiquei que a arma estava carregada, me coloquei na trilha que daria para a casinha com chaminé. Alguém me parou, era a Tatz.
- O que você tá pensando em fazer?
-Um pequeno acerto de contas. Talita aquele é o carro do cara que levou o corpo dele!
-E matá-lo vai dar em quê? Não vai trazê-lo de volta, e não vai fazer com que seus gritos cessem! Não vai adiantar ir até lá e enfrentá-lo. Você não o conhece!
-Nem você!
Nesse momento eu vi algo no rosto dela, algo que estava escondido. Sua expressão não foi mais chocante do que as palavras que ela me disse em seguida.
-Na verdade... Eu o conheço.
Ela suspirou, como se guardasse isso há muito tempo. Eu parei, não conseguia formar pensamentos, palavras ou gestos tudo saía como um balbucio apavorado e incrédulo. Como ela conhecia o sequestrador que havia aparecido na tv 3 meses antes? Como ela conhecia o cara que tinha levado o corpo dele? Ela viu minha expressão e segurou meu braço.
-Venha, a gente te conta.
-A gente?
Ela ficou em silêncio. Todos se reuniram em volta do Jipe amarelo, ela me forçou a sentar no capô.
-Olha, eu sei que parece muita coisa. Mas não é, eu juro. É que na época você tava tão estranha por causa do castigo e tudo o mais....
-Talita. Sem enrolar.
-Tudo bem... Lembra daquele sequestro que apareceu na televisão uns meses atrás?
Eu pedia por favor para que ela não dissesse as palavras.
-Eu fui sequestrada. Me desculpa Bia, a gente queria te contar, mas é que você tinha acabado de sair do castigo, ainda ficava falando na sua vingança, ainda estava abalada por causa da prisão. Não queríamos que você ficasse preocupada.
-Então você escondeu de mim! Eu sou sua melhor amiga Tatz, a gente ria e contava tudo uma pra outra, por mais idiota que fosse! E você me esconde uma coisa dessas!
Eu estava gritando, não queria, mas era como se não fosse eu mesma ali, sentada berrando pra floresta. Desabafando. Assim que eu terminei eles ficaram em silêncio.
-Quem mais sabia?
Ela hesitou.
-Pode falar, a pior parte já foi certo?
-O Phe ajudou no resgate e além da minha família e da Pammy...
-Continua.
-Ele tinha pego a Iara também.
Eu me levantei, estava nervosa, cheia de fúria e com os sentidos mais aguçados do que nunca. Movida pela raiva eu fiquei surda, quer dizer, eu ouvia vozes abafadas, pedindo que eu voltasse mas eu não podia. Não queria voltar. Alguém falou " Não seria melhor tirar a arma da mão dela?" Só agora eu percebi que a segurava com força, a larguei no chão. Do jeito que estava poderia acabar com qualquer um apenas com as mãos. Alguém me seguia, não foi cuidadoso o bastante para abafar os passos que cortavam galhos e faziam baques surdos na terra. Eu parei na grade, as mãos apertando o ferro com tanta força que eu poderia parti-lo. Poderia partir qualquer um. Acontece que depois que eu fui quase presa, tinha acessos de raiva frequentemente, quebrava copos, socava as paredes. Minha mãe me mandou fazer seções semanais com a psicóloga. Ela dizia que eu guardava muitas coisas para mim mesma, e era verdade. Desde pequena eu tentava resolver os problemas de todo mundo e os meus sozinha, quando algo dava errado eu raramente confiava em alguém pra contar, ou pra pedir ajuda. Conforme eu fui crescendo as coisas foram se acumulando, virando uma verdadeira bola de neve. Ela concluiu que a minha prisão foi a gota d' água, que agora eu estava sendo movida pelo que eu planejava fazer com o culpado daquilo. Acontece que faz mais de 2 meses desde o meu último acesso, quando meu irmão rasgou o meu livro preferido no meio porquê ele achou engraçado. A marca da minha palma nas costas dele permaneceu ali por algumas semanas. E tão rápido quanto a situação começou, ela terminou. Eu já não era tão agressiva e minha palma não ficava nas costas de ninguém. Sem perceber eu já estava mais calma, havia afrouxado o aperto da grade e estava olhando para a fumaça que saía da chaminé.
-Tá legal?
Eu me virei, Gabe estava ali, encostado numa árvore, me encarando.
-Não.
Ele riu.
-É, eu imaginei.
Ele estava me fazendo ficar com raiva de novo, eu queria ficar sozinha, como sempre fazia.
-Olha, eu sei que tudo isso não é muito legal, e eu sei o quanto você queria socar alguém, mas fazer as coisas de cabeça quente não é muito esperto.
-Agora você parece a psicóloga, ou a minha mãe.
Nós dois rimos.
-Viu, agora que você já ta melhor, vamos voltar pra lá. Eles querem voltar pra estrada o quanto antes.
Andamos de volta em silêncio, era estranho voltar pra mesma cena que eu deixei. Todos em círculo me encarando, não era algo legal de se enfrentar. Antes que alguém falasse alguma coisa eu pude dizer.
-Não vou deixar esse maluco á solta.
Eles continuavam me olhando.
-Além do cara ter sequestrado vocês duas, ter levado um garoto morto, e ter proporcionado a cena mais embaraçosa da minha vida, ele cria zumbis. Cercados e aglomerados como se fossem bois. Eu aposto que o cara tem algumas respostas sobre toda essa loucura que está acontecendo.
Eles se entreolharam, eu estava certa. Quem diabos criava zumbis? Algum doente com certeza.
-Ei...
Gabe estendia um objeto preto e um pouco sujo de terra.
-Você vai precisar disso.
A arma, carregada e mais pesada do que eu me lembro, me lembrou de coisas que eu queria esquecer. Toda a cena, o sangue, o tiro e os olhos e as mãos estendidas para mim, me acertaram como se estivessem acontecendo ali mesmo.
-Não... Eu ainda não estou pronta pra atirar de novo. Pode ficar.
Ele recolheu a arma e sorriu.
-Vamos nessa então!
O plano era o seguinte, achar um caminho até a casinha e pedir algumas explicações para o maluco que criava zumbis e de repente o plano não parecia muito certo, não parecia muito elaborado, não era a minha cara.
-Gente.
Eles olharam para mim, a maioria estava entrando no carro.
-Não vamos fazer isso, a gente não faz ideia de com quem estamos lidando, a gente não sabe se ele ta armado e tudo isso, vamos direto pra praia.
E eles começaram a bater nas mãos uns dos outros, comemorando alguma coisa. A Tatz veio até mim.
-A gente sabia que se concordasse com você, você iria pensar melhor. Um plano mal elaborado não é bem a sua cara né?
Eu sorri.
-Bem, vocês estavam certos, e eu errada em agir daquele jeito. me desculpa Tatz. De verdade.
Ela sorriu.
-Não faz mal, a gente também errou em não te contar. Se te faz sentir melhor, o Phe queria te contar, desde que eu saí do hospital.
Eu passei o braço pelos ombros dela, algo que fazíamos pra coisas melhorarem.
-Agora, vamos logo para aquela praia, mesmo não gostando da ideia.
Ela riu.
-Vamos então.
E entramos no carro, a vista da chaminé com fumaça não saía da minha cabeça. No Jipe, Iara, Tatz, eu, a Pammy e a Lala, estávamos discutindo sobre o que faríamos ao chegar na casa de praia.
-Olha, a praia das conchas é um paraíso, eu sei. Mas antes de tudo, fica nas entranhas de uma floresta, eu não faço ideia da situação lá. Eu sei que podem haver sobreviventes, e a primeira coisa a fazer, vai ser limpar o trajeto até a casa. E a própria casa.
Elas concordaram.
-Antes de aproveitar o paraíso, seria melhor certificar que a gente ta pronto pra isso, Bia tem alguma delegacia no caminho?
Eu pensei por alguns instantes, a Pammy tinha razão, e se fossem mais zumbis do que poderíamos dar conta? Tínhamos que nos preparar.
-Tem uma depois do Hotel alguns quilômetros antes da entrada pra praia, deve ter alguma coisa lá.
O walkie-talk estava com a Lala e ela logo avisou os meninos no outro carro que iríamos para numa delegacia. Pronto. Pé na estrada, um cd tocando alto e um destino incerto.
O caminho ate a delegacia não foi difícil. A estrada abandonada, o silêncio claustrofóbico, e os passos que dávamos deixava o ambiente desconfortável. Eu iria esperar no carro, não chegaria perto de matar outra criatura até que fosse seguro pra mim e pra minha cabeça que andava totalmente fora dos eixos. Lá fora, sozinha encostada no Jipe amarelo, não pude deixar de notar a terrível sensação de estar sendo observada. As meninas estavam dentro dos carros de modo que só eu estava para fora. Abri a porta do Jipe.
-Ei, alguém ai ta achando alguma coisa estranha além de mim?
A Iara me observou.
-Eles só saíram á alguns minutos, não deve ser nada sério.
-Não. Não é com relação á isso, eu acho que os meninos conseguem se virar com uma delegacia mas, eu sinto que tem alguma coisa errada em tudo isso. Eu digo, desde que eu vi a casinha na floresta, não fomos atacados nem uma vez.
Elas se entreolharam.
-É verdade.
-Talvez seja só coincidência.
Anne estava com os braços esticados,quase se levantando do banco.
-O que foi?
-Eu acho que eu... Tem alguma coisa ali.
Todas nós nos viramos. Anne havia apontado para uma casa branca com janelas quebradas, o portão estava fechado e tudo parecia muito quieto.
-Eu acho que não é nada.
Tatz estava se sentando de novo, as meninas voltaram para a conversa mas eu continuei observando. A casa, com as paredes desgastadas e os portões enferrujados não parecia agressiva. Mas havia algo lá, e estava olhando para mim. No momento em que me virei ouvi o barulho inconfundível de uma arma sendo carregada.
-Corram!
Primeiro elas me encararam como se eu fosse louca, daí ouvimos cerca de 10 armas sendo carregadas ao mesmo tempo, não era coincidência nenhuma. Corri até um muro baixo que ficava á alguns metros do Jipe onde elas estavam. Tudo estava quieto de modo que não podíamos sussurrar. Qualquer mísero barulho podia ser ouvido e declarado como uma ameaça. Eu sinalizei para que as meninas viessem uma a uma, devagar e sem fazer barulho. Funcionou. Até certo ponto. Com 8 meninas se espremendo contra um murinho, era mais que óbvio que algo ia dar errado, mas foi melhor estarmos fora do carro de modo que podíamos correr. Quando a Lala se virou para dar mais espaço para nós, pudemos ver cerca de 10 pessoas em nossa volta. Em cima de árvores, dentro de casas, em baixo de carros e escondidos entre escombros. Todos eles muito organizados, altamente armados e camuflados. Não era coincidência, mas algo neles me dizia que não eram do exército. Eu me levantei com as mãos sinalizando rendição, eles apontaram as metralhadoras, revólveres e tudo o que tinham em mãos para mim.
-Olha, não queremos encrenca, tá legal?
Um homem alto e vestido com roupa de guerra se aproximou de mim.
-O que um grupo de garotinhas faz no meio do fim do mundo?
Porque diabos os homens se comportavam como se mandassem em tudo?
-O grupo de garotinhas está tentando fugir do fim do mundo.
Ele riu.
-Você sabe o que significa Fim do mundo menina? É o fim, de todo o universo. Não tem pra onde fugir.
-Então você não se importa em nos deixar tentar, não é?
-Na verdade...
Ele foi interrompido. Uma mulher alta e estranhamente forte chegou por de trás dele. Ela estava com dois revólveres, um em cada mão.
-Não nos importamos.
Ela sorriu.
-Meu nome é Caroline, sou a comandante desse grupo de trogloditas aqui.
Ela riu. O homem que se aproximou de mim não achou graça.
-Oi... Então. Meu nome é Bia, eu tive uma ideia uns anos atrás que acabou me trazendo pra cá.
Ela sorriu e estendeu a mão, eu a apertei.
-Você parece uma menina inteligente, Bia. Surpreende-me que um grupo como o seu tenha chegado até aqui. Você vem de onde?
-São Paulo capital. Todas nós na verdade.
Ela se espantou mais ainda e colocou a mão livre, já que tinha guardado o revólver, em meu ombro.
-Nossa! Incrível mesmo. Me diga, como está a situação por lá?
Aos poucos todos foram relaxando, as meninas estavam de pé e apesar de um pouco assustadas, estavam aliviadas por não termos que enfrentar eles.
-Na verdade, quando eu saí, no primeiro dia, a situação estava pra lá de caótica. Não estávamos preparados para tal acontecimento.
Ela abaixou o olhar.
-Entendo.
-Mas os militares pareciam estar fazendo um grande trabalho na estrada que liga a capital até aqui. Bom, estavam fazendo um grande trabalho até chegarmos lá.
Ela sorriu.
-Bom, sugiro que você e seu grupo entrem conosco. Se quiserem ficar mais alguns instantes, adoraria ouvir como oito garotas como você passaram por uma barreira militar.
O homem que havia se aproximado cochichou algo no ouvido dela.
-Sim, eu entendo. Bom, mande os homens arrumarem espaço. Temos convidados. Seremos hóspedes gentis.
Ela sorriu, e ele se desfez da carranca. O que me surpreendeu.
-Ahn... Caroline?
-Sim, criança.
-Tem mais alguns meninos dentro da delegacia, eles estão conosco também.
Ela sorriu.
-Imaginava que teria ajuda pra passar por tudo o que tenha passado. Bom, vamos entrando, suponho que estejam cansadas.
Relutamos um pouco ao seguir a mulher estranhamente forte até a casa branca e frágil. Os meninos haviam saído da delegacia pouco depois com duas bolsas cheias de armas e munição. Caroline me disse que poderíamos ficar e treinar já que imaginava que nem todos sabíamos como atirar. Nada estranho tinha acontecido realmente, o que poderia dar errado?
Tem algo estranho nesse pessoal :s enfim, adorei o capítulo, parabéns (:
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