Bem Vindos...

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Fim da Linha.


Com os solavancos do Jipe, eu não fiz mais do que fechar os olhos. Prosseguimos no mesmo ritmo até um barulho de freio nos parar. Ainda com os olhos fechados eu pude ouvir a Lala saindo do Jipe e andando até a minha porta. Fui esperta o bastante para sair de perto antes dela abrir minha porta e me arrancar do carro.
-Senta ali.
A luz do sol me incomodou por um tempo e depois ficou normal, Lala havia apontado para um monte de pedras achatadas que serviriam de bancos para mim. Ela andou até a picape e pegou sua mochila preta antes de voltar com um olhar um tanto incomodado para mim.
-Desculpa te dar tanto trabalho.
Ela me encarou.
-Não, não é bem assim dona Bia. Você tá fazendo a parte mais difícil dessa viagem louca que você inventou. Tá toda quebrada, o seu ombro ainda não está bom e você lutou com um monte de soldados pra nos tirar das mãos daquela maluca. Bia, eu nunca conheci alguém tão suicida quanto você.
Eu sorri.
-Eu sei.
Ela sorriu e começou a trabalhar, pegou algodão e um pouco de álcool para passar nos ferimentos. Doeu, mas depois de levar um tiro, alguns chutes, quase ser estrangulada, vários arranhões e cortes, alguns hematomas sérios e uma possibilidade de estar um caco emocional, isso não foi nada. A parte mais difícil foi o corte profundo no meu braço direito. Ela precisou de linha e agulha para fechar, e ainda colocou uma gaze  por cima. Se eu continuasse nesse ritmo, estaria quebrada em poucos dias. Depois de me deixar toda suturada, Lala foi ate Lucas que também não estava tão inteiro.  Ela estava certa, eu estava na parte mais difícil dessa jornada, claro que não me incomodava, de modo algum, eu me responsabilizo total e completamente por meus amigos. É só que, e se eu estiver bancando a durona e me der mal no final? O que eles vão fazer?
-Bia?
Tatz, Pammy e Iara vieram falar comigo.
-Oi meninas.
-Você tá legal?
-Um pouco machucada e dolorida, mas vou ficar bem.
Elas sorriram.
-É, não é fácil te derrubar né?
-Não mesmo!
Elas continuaram conversando enquanto eu fui falar com o Phe.
-Preciso falar com você.
Ele parou de arrumar as malas na traseira da picape e se virou.
-O que aconteceu?
-Não, relaxa. É só que tinha alguma coisa com aqueles soldados daquela mulher maluca lá atrás.
-Como assim?
-Ela jogava um jogo, um jogo doentio e elaborado que deve ter levado meses até ficar pronto. Ela nos colocou dentro de um círculo formado por seus soldados, dois atacavam cada um e a cada soldado morto dois o substituíam. A lógica não é difícil, o jogo não foi feito para ser ganho, o problema é que quando atiramos naqueles soldados, eles não morriam.
Ele continuou me encarando.
-Mas se fossem zumbis eles...
-É isso que eu to querendo dizer. Aconteceu alguma coisa na cidade enquanto a gente fugia, e eu preciso descobrir o que foi antes que o envolvido com isso tudo, se pronuncie.
-Certo, mas a  gente não pode voltar.
-Não, não podemos, mas a casa da praia é movida por um gerador á Etanol, o que temos de sobra, eu acho.
-Não é bem assim. Temos duas garrafas que vão dar para os próximos vinte quilômetros se tivermos sorte. Esses carros não são muito, ecológicos.
-Entendo. A gente precisa resolver isso.
Antes que eu pudesse me virar ele falou.
-Se o que você disse é provável, esse apocalipse não é tão mortal assim. Veja, os soldados se comunicavam e obedeciam ordens. Isso não é um ponto totalmente negativo.
-Eles se comunicavam e obedeciam ordens de uma completa maluca, o que sugere que são treinados para isso, o que nos leva para um apocalipse mais mortal do que se estivéssemos falando de zumbis moribundos que só se importam com seu almoço.
-Certo.
-Certo.
Eu fui até o Jipe e parei um pouco para pensar onde estávamos, Anne veio comigo.
-Estamos no caminho certo mas, muito atrasados.
-Eu sei. Não vamos passar outra noite na estrada, eu vou chegar naquele condomínio hoje.
-Então é melhor se apressar, são quase quatro da tarde agora.
Ela sinalizou um relógio de pulso que estava usando.
-Certo, reúna todo mundo por favor. Precisamos esclarecer algumas coisas.
Assim que todos estavam perto o bastante para me ouvir, eu falei.
-A situação é a seguinte. Temos duas garrafas de combustível o que vai nos levar até no máximo vinte quilômetros daqui, nossa sorte, a entrada do condomínio fica a pelo menos quinhentos metros, mais um quilômetros de trilha por entra as montanhas e alguns metros até a casa. Dá pra chegar.
-Qual a notícia ruim?
-Não temos disposição, treinamento nem vontade o suficiente para limpar aquela casa hoje. Eu to toda machucada e quero muito, muito uma cama decente pra dormir.
-O que você propõe?
Eu apontei para a placa escondida pela vegetação.
-Bem-vindos á pousada Bella-Vista.
Eles começaram a murmurar alguma coisa sobre perigos e zumbis então eu os interrompi.
-Essa pousada tá fechada a pelo menos vinte anos, o que nos dá passe livre pra invadir sem incomodar ninguém, outro ponto forte é que ela é totalmente cercada por muros altos, fica dentro de um bosque com muitas árvores e não é fácil de entrar. Um zumbi não conseguiria chegar até o portão, quem diria perto da casa. É seguro e totalmente confiável.
-Qual a notícia ruim Bia...
-Como ficou vinte anos fechada, eu duvido que as instalações sejam boas, e tenho minhas dúvidas sobre ratos morando lá dentro.
-Ah, ratos!
-Como se eu fosse me importar!
-Que nojo...
-Ratos? Gente, acabamos de encontrar com zumbis com as tripas para fora, passamos a noite na floresta, fomo atacados por soldados malucos e uma mulher doida de pedra. E você se preocupam com ratos?
Eu sorri, nada como a lógica para colocar sentido as coisas.
-Tá né!
-Se for assim...
-Eu topo.
E então entramos nos carros, seguindo pela trilha abandonada que levaria até a pousada Bella-Vista. O caminho, sinuoso e irregular, demorou um pouco mais do que esperávamos, tudo porque uma árvore muito velha estava caída pela trilha. Depois disso seguimos o caminho de paralelepípedos até o grande portão de ferro. Ele estava um pouco caído, todo enferrujado e não duvido que com apenas um toque ele desmonte inteiro, mas estava pronta para uma bela noite de sono e um descanso muito merecido.
-Bia?
-Eu.
-Eu não confio muito nesse lugar não.
Saímos dos carro para ajudar no portão enquanto a Tatz andava comigo.
-Relaxa Tatz, passar a noite aqui vai ser moleza.
Ajudamos a abrir o portão e passamos com os carros. O lugar era maravilhoso, cheio de árvores, uma trilha de pedras, um lago, alguns bancos de jardim e muitas flores. Parecia que mesmo com vinte anos de abandono aquilo ainda era um paraíso.
-Uau!
-Uau mesmo! Ola pra esse lugar...
-Gente! Tem piscina!
-Onde?
-Olha lá!
Era a maior piscina que eu já vi na minha vida. Tinha um trampolim e algumas espreguiçadeiras em volta, a grama verde formava um grande retângulo em volta da grande piscina.
-Eu vou querer dar um mergulho.
Eu olhei para a Pammy.
-Tá maluca menina? Se não sabe o que tem lá dentro, e olha que em todos os filmes que vimos ninguém jamais entrou nas piscinas de casas desconhecidas e desabitadas. Vamos ter certeza primeiro está bem?
-Eu quero mesmo é comer. To morrendo de fome.
-E quando é que você não está com fome Phe?
-Quando eu estou dormindo oras!
Eu sorri.
-É, eu também.
-Então vamos entrar, aposto que aí tem uma cozinha.
-Ter eu também aposto, vamos ver se ela já não está habitada né!
Então entramos, tenho que dizer, fiquei impressionada. Estava tudo empoeirado e cheirando a mofo mas a recepção estava muito bem mobiliada e com todos os equipamentos de um hotel. Era tudo muito antigo, eu admito, mas ainda assim.
-Bia?
-Sim.
-O que realmente aconteceu com esse lugar?
Eu não me lembrava muito bem da história. Apenas algumas partes.
50 anos atrás, Fillip Monterey chegou nesta ilha com uma mala e 20 reais no bolso. Ele era um empresário peruano que resolveu sair do país e tentar alguma coisa aqui. Ele não se saiu muito bem nas empresas mas com o dinheiro que conseguiu construiu essa casinha no meio da floresta. Ele não se casou, não teve filhos mas teve uma secretária. Quando ele morreu a secretária tomou conta do lugar, construiu um jardim e passou a morar aqui. Alguns diziam que ela morria de amores pelo chefe mas ninguém sabe. Ela ficou velha e já tinha feito todo o trabalho por aqui, a sobrinha dela esperou até a sua lenta morte pra transformar o lugar pacífico em uma casa noturna pra ela e os amigos se divertirem, a polícia descobriu e fechou o lugar. Bem mais tarde essa sobrinha se casou e precisava de grana, na época os turistas não paravam de vir e então ela abriu a pousada Bella-Vista. Com esse lance a mulher ficou rica e resolver manter o negócio até os anos 90 quando houve a tal razão pro lugar ser fechado. Com a pousada lotada, todos os quartos reservados e tudo indo as mil maravilhas pra tal sobrinha, não havia quarto para mais ninguém. Uma pena  para Pedro Barros, um comerciante qualquer que chegou numa noite de tempestade á pousada.
-Sinto muito senhor, mas estamos com a capacidade máxima já ultrapassada.
-Eu entendo.
Ele deu um sorriso torto, pegou sua maleta e, antes de cruzar a soleira da porta, tocou a aba do chapéu encharcado pela chuva torrencial que caía lá fora.
-Pobre homem...
Eu tinha que correr atrás dele, não podia deixar um ser humano como ele numa tempestade como essa.
-Senhor! Senhor, espere!
Ele deu meia volta.
-Se não se incomodar, temos um quartinho nos fundos que colocamos alguns materiais. Um casal vai embora de manhã, aí o senhor pode ficar com o quarto deles.
-É muita gentileza sua Madame.
-Ah por favor!- Eu sorri- Me chame de Line.
Ele sorriu.
-Me acompanhe, não queremos que o senhor pegue um resfriado.
Depois de acomodar o senhor misterioso no quarto de ferramenta, Elise Moreira foi dormir. Ela, e todos os outros 47 hóspedes foram mortos naquela noite. A polícia descobriu o lugar poucas horas depois do crime, uma menina de oito anos ligou dizendo que havia um assassino na pousada, a ligação terminou com um grito e um barulho de tiro. Foi o maior genocídio que já ocorreu na ilha.

-O maior genocídio de todos os tempos... Aconteceu aqui.
Eles pararam por um instante.
-Legal!
-Olha só Tatz! Vamos dormir num lugar mal-assombrado, dois itens da lista já foram.
As meninas estavam rindo, observando tudo o que poderia ser usado pra causar um assassinato como aquele, facas, candelabros... Tudo no lugar parecia macabro e incrível ao mesmo tempo. Não que a história não fosse triste, o que aconteceu foi horrível, mas agora, vinte anos depois do ocorrido, tudo não passava de algo irreal e imaginário.
-Bia? Mostra pra gente onde exatamente o assassino agiu.
-Depois meninas! Agora eu to mais interessada em comer muito e depois dormir um pouco.
Eu ri.
-Tudo bem, vamos comer então.
Rodamos um pouco o lugar, passamos por toda a recepção, uma ala que supomos ser a lavanderia e uma sala com um amplo espaço e um rádio velho, até que chegamos á cozinha. Uma porta dupla com janelas circulares, a cozinha tinha duas bancadas de metal e um chão branco.  A primeira bancada tinha dois fogões embutidos e uma pia, a segunda ficava bem no meio da cozinha e provavelmente era usada para preparar os  pratos.
-Bem, vamos trabalhar.
Fomos aos carros, pegamos o resto dos suprimentos que haviam drasticamente diminuído, ou o prazo de três dias estipulado estava muito certo. Agora tínhamos dois pacotes de macarrão, uma lata de óleo, algumas barrinhas de cereais e eu não sem quem teve a ideia brilhante de trazer milho e ervilha enlatados. Depois de deixar tudo organizado na cozinha eu expulsei todo mundo de lá.
-Lala?
-Oi.
-Vamos fazer mágica. Temos que nos virar com isso aqui.
-Tá legal.
Eu achei dois aventais com o logo da pousada e coloquei um, não por medo de sujar a minha roupa, que agora estava rasgada, suja de sangue e um tremendo farrapo, mas é legal cozinhar de avental. Prendi o cabelo num coque frouxo e comecei a trabalhar. Incrivelmente, ainda havia água encanada nas torneiras e um botijão de gás cheio nos fogões, seria mais fácil do que eu pensava. Por precaução, fervi a água antes de usá-la para a panela do macarrão, a Lala estava cuidando de abrir os enlatados e arranjar travessas para colocar tudo aquilo no final.
-Olha, macarrão sem gosto com milho e ervilhas não é bem meu favorito, mas é muito bem vindo.
Eu sorri.
-Claro, eu bem que queria um churrasco, mas estou com tanta fome que isso aqui vai servir.
Demorou um pouco, não estávamos acostumadas a mexer num fogão como aquele, e além do mais, precisamos tirar todo o pó das mesas que juntamos antes de podermos nos sentar.
-Bom, é isso gente. Acabamos com todo o nosso estoque de comida pra três dias.
-Hum!
-Oba!
-É, vamos comer gente.
Eu comi muito, como não comia há dias. Estávamos tão famintos que a Tatz comeu sem reclamar, e isso, é um verdadeiro milagre. Depois de comer cada um foi pegar sua mochila e escolheram um quarto para ficar. Eu não achava uma ideia muito boa, a casa tinha três andares, uns quatro quartos por andar, seria muita coisa para cobrir caso alguma coisa acontecesse. Eu peguei um quarto no primeiro andar, a Iara se colocou atrás do balcão quando fomos pegar as chaves.
-O que gostaria?
-Uma chave.
Eu ri, ela fazia um sotaque esquisito para falar. Ela se virou e pensou por um segundo antes de me dar uma chave com um babante amarrado, na chave o número 01 estava escrito. Ela tocou a sineta e pulou de volta para o nosso lado com outras nova chaves.
-Vamos ver como esta espelunca está.
Subimos as escadas e cada um parou na frente da porta indicada nas chaves. Eu coloquei minha chave na fechadura e girei, a porta se abriu com um rangido me mostrando um quarto pequeno com o ar abafado. Não tinha nada de especial, o chão era um carpete bolorento que algum dia poderia ter sido bege, as paredes tinham um papel decorativo de muito mal gosto. Havia uma cama de casal, um criado mundo com uma gaveta e uma janela ao lado de uma porta que eu supus ser o banheiro. Deixei minha mochila no chão e sentei na cama depois de tirar um pouco do pó. Resolvi abrir a janela para entrar um pouco de ar. Depois disso eu tirei a colcha levantando uma nuvem de pó que seguiu seu caminho para fora do quarto. Eu arrumei a cama e depois me sentei. Porque eu estava tão irriquieta? Resolvi dar uma olhada no banheiro. Nada de especial também. Um espelho embaçado, uma privada e uma banheira. Eu pensei em como seria bom tomar um banho agora, tirar essa roupa toda suja de sangue e relaxar um pouquinho. Eu girei a torneira enferrujada para a esquerda, primeiro nada aconteceu, depois ouve um barulho de canos se mexendo. Algum tempo depois a água começou a pingar, depois a sair em uma linha fina e finalmente a sair de um modo normal da torneira. Eu sorri, que sorte eu tinha de lembrar desse lugar.
Depois de algum tempo no banho eu resolvi sair, na minha mala havia uma toalha e algumas coisinhas mais que a gente precisa. O que foi algo muito esperto da minha parte ter trazido. Eu vesti minha calça jeans e minha camiseta branca com uma nota musical bordada. Calcei os tênis e resolvi andar um pouco. Ao sair do quarto dei de cara com uma Pammy de cabelo molhado.
-Bia! Você não vai acreditar, os banheiros têm...
-É eu sei!
Ela riu.
-Foi muita sorte a gente ter achado esse lugar, tomara que a gente fique tempo o bastante para dar um mergulho né?
-É, mas eu não prometo nada. Lembra do que aconteceu na loja de carros?
-É eu lembro...
-Mas ainda da tempo para um mergulho.
-Vou chamar o pessoal. Eu vou trocar de roupa.
Tá, eu não tinha realmente pensado que eu ia encontrar uma pousada velha com uma super piscina para dar um mergulho, mas eu trouxe um biquini. Só que eu não iria sair por ai com a barriga de fora e as pernas á mostra. Me enrolei na toalha e desci. Ao chegar lá em baixo, todos estavam se divertindo, e o sol prestes á se por. Eu fiz uma prece silenciosa para que esse pequeno momento durasse um pouquinho mais.

sábado, 5 de maio de 2012

Fora de Rumo Parte III

Caroline abriu o portão e os homens foram entrando na casa branca desgastada. Depois foi a nossa vez. A casa em si era comum, móveis velhos e empoeirados, alguns porta-retratos com os vidros quebrados e as fotos em preto e branco, o primeiro cômodo a sala, era pequena e mal iluminada já que toda a iluminação presente era proveniente de velas. Me perguntei se tantas velas não causariam um incêndio. Passamos pela cozinha que parecia tão abandonada quanto a sala e Caroline abriu a porta para o quintal. Ela estava com a roupa militar que os homens que a acompanhavam estavam usando, só que o seu cabelo loiro estava preso em um rabo.O quintal era uma  zona de poucos metros com um gramado verde e alguns canteiros com legumes. A área toda era cercada e eletrificado, o que não era tão eficaz já que a eletricidade parecia não chegar ali há muito tempo. Passamos pelo canteiro de cenouras, o que reconheci por uma placa pintada á mão que tinha o desenho do tal legume. Poucos metros dali havia uma casinha de cachorro, o teto pintado de vermelho, o nome Max pintando em letra cursiva com tinta preta. Essa imagem me lembrou da minha cadelinha, que eu deixara morar com meu avô no sul. Eu desviei o olhar, já era muita coisa pra se pensar, não precisava me atordoar com outras lembranças. Caroline esperou até que o homem, que para mim parecia seu braço direito, levantasse uma porta de madeira que estava no chão, daquelas que levam para porões nos filmes. Alguém ficou ombro a ombro comigo.
-Você não acha tudo isso estranho demais?
Lucas estava andando enquanto sussurrava ao meu lado.
-Acho, mas por enquanto a gente só olha. Eu só vou ficar tempo o bastante pra não causar nenhuma má impressão. Enquanto isso mantenha isso aqui - eu apontei para a mochila que ele trazia da delegacia- bem longe das mãos de qualquer um.
Ele concordou uma vez com a cabeça e se afastou um pouco, mas não tão longe.
Os homens que acompanhavam Caroline desceram primeiro, ela foi depois de lançar um " Venham depois de mim" para nós. Eu estava na beira da escada escura que nos levaria até um lugar que não sabíamos.
-Eu acho melhor você não entrar aí.
Eu olhei para Lucas que estava encarando a beira da escada.
-Ei, causar uma boa impressão se lembra? Eu vou, vocês esperam aqui.
Ele segurou meu braço.
-Nada disso. Você não vai descer lá sozinha e desarmada. Eu vou com você.
Eu me virei para o grupo, eles estavam colados nos ombros dos outros como se eles se recusassem a ir mais longe.
- Eu vou descer, só para agradecer a hospitalidade de Caroline e dar o fora daqui. Depois podemos seguir com a viagem até a praia.
Eles concordaram. Gabe veio até mim.
-Você vai precisar disso.
Eu sorri, ele me entregou a arma.
-Obrigada.
Me virei para descer a escada, estava apenas á um passo da escuridão quando ouvi a voz de Caroline.
-Vamos criança, não temos o dia todo.
Olhei para Lucas que me olhou de volta. Tínhamos que entrar, ou eles nos perseguiriam até Deus sabe onde. Eu desci, ciente da mão de Lucas no meu ombro, ciente da arma carregada em minhas mãos e pronta para o que quer que acontecesse.
Não estava pronta. Quando cheguei no último degrau, entrei num ambiente tão claro que pisquei várias vezes para que meus olhos se acostumassem. Daí alguém me puxou para a direita, obviamente para me separar do Lucas. Eu ainda via tudo um pouco embaçado quando abri completamente os olhos. Todos os homens que acompanhavam Caroline estavam em círculo ao meu redor, ela estava sentada em uma cadeira dourada com estofamento vermelho, claramente se divertindo com a cena. Lucas estava em algum lugar no meio dos homens, todos apontavam facas e pedaços de madeira e ferro. Caroline riu.
-Seria muito injusto deixá-los armados contra você criança. Aposto que você sabe algumas coisas. Nunca teria passado pelo nosso comboio com aquele bando de toupeiras que está no seu grupo. Ah, não se preocupe com eles criança, eles serão muito bem hospedados. Assim como os outros.
-E o que você planeja? Me forçar a lutar com seus homens até que eu morra? E depois vai fazer o que?
Ela ponderou um pouco.
-Vou fazer você ver seus amiguinhos morrerem, um a um, isso não será divertido criança?
Eu avancei nela, infelizmente seus homens colocaram-se ombro a ombro para protegê-la. Ela riu de novo.
-Sim! Isso será muito divertido.
Ela estalou os dedos e alguém empurrou Lucas para o meio do círculo formados pelos homens de Caroline. Ele caiu de joelhos eu fui ajudá-lo a levantar, assim que ele ficou de pé, dois homens de Caroline vieram em nossa direção. Um deles ergueu a barra de ferro tentando me acertar, eu pulei para a esquerda, ele continuou avançando. Me perseguindo até eu ficar encurralada. Sabia que não podia chegar perto da barreira formada pelos homens de Caroline, e avançar contra aquele soldado seria certamente um suicídio. Eu apontei a arma para ele, mas o homem não parou. minha última escolha foi atirar. Ele caiu no chão ainda tentando chegar em mim. O buraco do tiro, manchava de sangue o ponto vital de qualquer humano.
-Lucas!
Ele estava tentando alcançar uma arma que deixaram no chão quando viu o sangue e o zumbi domesticado ainda avançando contra mim.
-Na cabeça!
Eu disse.
-Na cabeça!
Ele concordou. Assim que o zumbi caiu no chão, outros dois vieram contra mim. Eles estavam mais rápidos e motivados do que o primeiro. Lucas já estava com quatro o atacando, ele havia disparado apenas duas vezes. Eu continuava atirando nos zumbis de Caroline, algumas vezes errava o alvo mas acertava alguém da barreira quase-humana de Caroline. O zumbi não se mexia, não reagia. Assim que eu matava um dos soldados dela, outros dois corriam da barreira que se estreitava cada vez mais. nos deixando sem tempo para pensar em algo que não fosse atirar e correr. Então eu entendi, isso tudo era apenas um jogo para Caroline, um jogo doentio e elaborado. Para cada soldado morto, outros dois vinham o substituir, de modo que a barreira diminuía toda vez que mais soldados avançavam. Estávamos no ponto de que Lucas estava lutando com seis soldados de Caroline e eu com quatro. Um barulho. Click-Click. Eu não tinha mais balas, não havia carregado a arma desde o pátio dos carros e a deixara nas mãos de Gabe que podia muito bem ter disparado algumas vezes. Larguei a arma. E corri na direção dos zumbis, um deles estava com uma faca, o outro com um pedaço de metal afiado e os outros dois estavam desarmados. Tentei derrubar um zumbi, agachei no chão e dei uma rasteira no zumbi que caiu e bateu a cabeça com tanta força que até eu teria morrido. Ele não se levantou, infelizmente outros dois correram na minha direção. Eu estava tentando fazer o mesmo com outro zumbi quando senti a lâmina da faca no meu braço direito, dei um breve grito e me virei bem a tempo de desviar de outro golpe. Eu segurei a mão do zumbi que deixou cair a faca, eu a peguei rapidamente e cravei-a em sua cabeça. O que não foi nada bonito de se ver. O sangue espirrou no meu rosto e a faca ficou presa lá de modo que eu estava desarmada outra vez, enquanto eu tentava retirar a faca dali algum zumbi, provavelmente o que estava com o pedaço de metal afiado, me acertou nas costas, eu caí por cima do corpo do zumbi, era tarde demais para me levantar ainda assim o fiz, eles continuavam atacando, minhas mãos, minha coxa, meu braço já cortado e minha testa. Eu estava de joelhos, dois deles me levantaram  e um deles me deu um soco na barriga. Eu fiquei sem ar, estava exausta, machucada e via pontos roxos em todo o lugar. Caroline bateu palmas duas vezes. Eles levantaram meu corpo de modo que eu ficasse quase em pé, mas estava cansada demais para olhá-la, ou para olhar Lucas. Minha cabeça estava abaixada, eu estava quase caindo dos braços dos zumbis.
-Ora ora criança, até que foi uma bela diversão que você me trouxe,hã!
Ela se levantou, eu vi os seus coturnos militares passarem por mim.
-Bom, até que você leva jeito.
Eu tentei olhar, ela estava parada na frente de Lucas, que estava no chão, arfando de cansaço, com algo prateado em mãos. Todos os zumbis que estavam o atacando, estavam parados imóveis do seu lado. Ele tentou de algum modo atacar Caroline que apenas deu um passo para trás e fez um barulho de reprovação com a boca.
-Não não criança, não devemos tratar os mais velhos assim.
-O que me importa sua vaca!
Ela deu uma risadinha. Fui arrastada até ela. Caroline pegou meu rosto com as duas mãos e deu uma boa olhada.
-Uma pena mesmo, desperdiçar um rosto bonito como o seu.
Me deram um soco. O gosto de sangue ficou na minha boca, e não era só o gosto havia muito sangue na minha boca. Eu cuspi, também não foi nada bonito de se ver. O sangue vermelho fez uma pequena poça no chão branco. Minha cabeça doía, a boca sangrava, tinha algum lugar do meu corpo que ardia muito e eu estava cansada, muito cansada. Caroline continuava falando com Lucas.
-Viu,criança? Tudo o que você fizer vai acabar com a pobrezinha aqui- Ela apontou para mim- então, não faça nenhuma gracinha.
Caroline saiu da frente dele. Lucas estava ajoelhado, seu rosto estava com alguns pequenos cortes, ele estava quase chorando, foi o bastante pra me deixar com raiva. Os zumbis que me seguravam mal viram o que os acertou, eu já estava correndo. Caroline só soube que eu estava atrás dela quando sua cara foi de encontro ao chão, eu a derrubei e estava em cima dela com o objeto brilhante que Lucas estava segurando. Em algum ponto lá atrás eu devo ter pego, o objeto era uma adaga mais ou menos do comprimento da minha mão, com uma pedra vermelha incrustada. A adaga brilhou quando eu a levantei e ameacei matar Caroline. Ela não fechou os olhos, não implorou por sua vida, não fez nada além de ficar com um sorriso malicioso na boca.
-Vamos criança, mate-me.
Eu a encarei.
-Você estava esperando por isso não é? Sua doente!
Ela deu uma risada histérica, eu havia perdido a raiva em mim. Não tinha como matá-la agora. EU não conseguiria. Caroline parou de rir, meus joelhos estavam pressionando os seus braços contra o chão frio, seu movimento com a mão foi passou quase despercebido. Quase. Quando seus zumbis pegaram Lucas, a adaga já estava em seu pescoço.
-Mande soltá-lo.
Ela apenas riu.
-Anda!
Eu apertei a adaga até que a linha escarlate começou a sair.
Ela berrou.
-Soltem! Soltem ele!
Eles não o fizeram. Infelizmente era tarde demais para Caroline. A adaga deslizou tão facilmente por seu pescoço que, de início achei que nada tivesse acontecido, mas aí gotas de sangue vermelho começaram a escorrer, depois linhas, e depois disso o sangue começou a espirrar. Os olhos de Caroline se fecharam, e ela parou de se debater. Ela havia morrido, incrivelmente os seus zumbis domesticados pareciam fazer o mesmo. Eles caíam inconscientes enquanto o sangue vital de Caroline formava uma grande poça no chão.
-Vamos sair daqui!
Lucas e eu corremos escada acima, o mais rápido que conseguíamos, com as pernas machucadas e os múltiplos ferimentos. Lá em cima, as coisas estavam melhores. Eles pareciam ter cuidado muito bem dos poucos soldados que Caroline mandara.
-Vamos dar o fora daqui!
Eles se apressaram em nos acompanhar. Assim que entrei no carro pude sentir a gravidade dos ferimentos. Tudo doía, tudo ardia, tudo rodava e eu ainda via os pontos roxos em todo o lugar.
-Vamos dar uma olhada nisso depois.
Eu ouvi a Lala dizer, e então, tudo virou escuridão.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Fora de Rumo Parte II

Um grito, me arrependi assim que pude escutar o som que eu mesma havia produzido. Não havia motivo para gritar,claro, algum maluco que morava numa cabana na floresta estava criando zumbis,mas fora isso, não havia motivo algum para gritar. O sol estava um pouco mais forte agora, com sorte seriam apenas 7 da manhã. Depois de algum tempo estavam todos os meninos ali, nenhuma menina. Sério. Por um momento eu fiquei muito ofendida, por que diabos nenhuma menina veio pra cá enfrentar qualquer tipo de perigo que houvesse? Como se meus pensamentos estivessem sido falados, Lala, Tatz, Anne e Pammy saíram da floresta.
-O que aconteceu?
-Você tá legal?
-Fala com a gente?
-Por que você tá sozinha na floresta?
-Tá tudo bem?
Meu corpo se virou instintivamente para as centenas de zumbis que murmuravam lá em baixo, eles me acompanharam, soltando o ar, quando a cena finalmente os alcançou.
-Como eles vieram parar aqui?
-É óbvio que alguém os trouxe pra cá!
-Quem seria a criatura que criaria zumbis?
Ao longe, perto da casinha no meio do nada, a caminhonete estava estacionada, a cor vibrante fez com que eu me lembrasse e os meus joelhos fossem de encontro direto com o chão. Alguém me ajudou a levantar, disseram alguma coisa mas eu não escutei. Se a caminhonete estava aqui, então ele também estaria, a criatura sem coração que rouba corpos das pessoas em luto. A criatura horrível que sequestrara um corpo também criava zumbis como se fossem animais de fazenda. Eu estava me dirigindo ao acampamento que montamos, apenas para resgatar um objeto e me colocar na trilha que levaria ao sequestrador de corpos. O termo parecia engraçado, parecia o nome de um filme de terror muito ruim. Assim que me certifiquei que a arma estava carregada, me coloquei na trilha que daria para a casinha com chaminé. Alguém me parou, era a Tatz.
- O que você tá pensando em fazer?
-Um pequeno acerto de contas. Talita aquele é o carro do cara que levou o corpo dele!
-E matá-lo vai dar em quê? Não vai trazê-lo de volta, e não vai fazer com que seus gritos cessem! Não vai adiantar ir até lá e enfrentá-lo. Você não o conhece!
-Nem você!
Nesse momento eu vi algo no rosto dela, algo que estava escondido. Sua expressão não foi mais chocante do que as palavras que ela me disse em seguida.
-Na verdade... Eu o conheço.
Ela suspirou, como se guardasse isso há muito tempo. Eu parei, não conseguia formar pensamentos, palavras ou gestos tudo saía como um balbucio apavorado e incrédulo. Como ela conhecia o sequestrador que havia aparecido na tv 3 meses antes? Como ela conhecia o cara que tinha levado o corpo dele? Ela viu minha expressão e segurou meu braço.
-Venha, a gente te conta.
-A gente?
Ela ficou em silêncio. Todos se reuniram em volta do Jipe amarelo, ela me forçou a sentar no capô.
-Olha, eu sei que parece muita coisa. Mas não é, eu juro. É que na época você tava tão estranha por causa do castigo e tudo o mais....
-Talita. Sem enrolar.
-Tudo bem... Lembra daquele sequestro que apareceu na televisão uns meses atrás?
Eu pedia por favor para que ela não dissesse as palavras.
-Eu fui sequestrada. Me desculpa Bia, a gente queria te contar, mas é que você tinha acabado de sair do castigo, ainda ficava falando na sua vingança, ainda estava abalada por causa da prisão. Não queríamos que você ficasse preocupada.
-Então você escondeu de mim! Eu sou sua melhor amiga Tatz, a gente ria e contava tudo uma pra outra, por mais idiota que fosse! E você me esconde uma coisa dessas!
Eu estava gritando, não queria, mas era como se não fosse eu mesma ali, sentada berrando pra floresta. Desabafando. Assim que eu terminei eles ficaram em silêncio.
-Quem mais sabia?
Ela hesitou.
-Pode falar, a pior parte já foi certo?
-O Phe ajudou no resgate e além da minha família e da Pammy...
-Continua.
-Ele tinha pego a Iara também.
Eu me levantei, estava nervosa, cheia de fúria e com os sentidos mais aguçados do que nunca. Movida pela raiva eu fiquei surda, quer dizer, eu ouvia vozes abafadas, pedindo que eu voltasse mas eu não podia. Não queria voltar. Alguém falou " Não seria melhor tirar a arma da mão dela?" Só agora eu percebi que a segurava com força, a larguei no chão. Do jeito que estava poderia acabar com qualquer um apenas com as mãos. Alguém me seguia, não foi cuidadoso o bastante para abafar os passos que cortavam galhos e faziam baques surdos na terra. Eu parei na grade, as mãos apertando o ferro com tanta força que eu poderia parti-lo. Poderia partir qualquer um. Acontece que depois que eu fui quase presa, tinha acessos de raiva frequentemente, quebrava copos, socava as paredes. Minha mãe me mandou fazer seções semanais com a psicóloga. Ela dizia que eu guardava muitas coisas para mim mesma, e era verdade. Desde pequena eu tentava resolver os problemas de todo mundo e os meus sozinha, quando algo dava errado eu raramente confiava em alguém pra contar, ou pra pedir ajuda. Conforme eu fui crescendo as coisas foram se acumulando, virando uma verdadeira bola de neve. Ela concluiu que a minha prisão foi a gota d' água, que agora eu estava sendo movida pelo que eu planejava fazer com o culpado daquilo. Acontece que faz mais de 2 meses desde o meu último acesso, quando meu irmão rasgou o meu livro preferido no meio porquê ele achou engraçado. A marca da minha palma nas costas dele permaneceu ali por algumas semanas. E tão rápido quanto a situação começou, ela terminou. Eu já não era tão agressiva e minha palma não ficava nas costas de ninguém. Sem perceber eu já estava mais calma, havia afrouxado o aperto da grade e estava olhando para a fumaça que saía da chaminé.
-Tá legal?
Eu me virei, Gabe estava ali, encostado numa árvore, me encarando.
-Não.
Ele riu.
-É, eu imaginei.
Ele estava me fazendo ficar com raiva de novo, eu queria ficar sozinha, como sempre fazia.
-Olha, eu sei que tudo isso não é muito legal, e eu sei o quanto você queria socar alguém, mas fazer as coisas de cabeça quente não é muito esperto.
-Agora você parece a psicóloga, ou a minha mãe.
Nós dois rimos.
-Viu, agora que você já ta melhor, vamos voltar pra lá. Eles querem voltar pra estrada o quanto antes.
Andamos de volta em silêncio, era estranho voltar pra mesma cena que eu deixei. Todos em círculo me encarando, não era algo legal de se enfrentar. Antes que alguém falasse alguma coisa eu pude dizer.
-Não vou deixar esse maluco á solta.
Eles continuavam me olhando.
-Além do cara ter sequestrado vocês duas, ter levado um garoto morto, e ter proporcionado a cena mais embaraçosa da minha vida, ele cria zumbis. Cercados e aglomerados como se fossem bois. Eu aposto que o cara tem algumas respostas sobre toda essa loucura que está acontecendo.
Eles se entreolharam, eu estava certa. Quem diabos criava zumbis? Algum doente com certeza.
-Ei...
Gabe estendia um objeto preto e um pouco sujo de terra.
-Você vai precisar disso.
A arma, carregada e mais pesada do que eu me lembro, me lembrou de coisas que eu queria esquecer. Toda a cena, o sangue, o tiro e os olhos e as mãos estendidas para mim, me acertaram como se estivessem acontecendo ali mesmo.
-Não... Eu ainda não estou pronta pra atirar de novo. Pode ficar.
Ele recolheu a arma e sorriu.
-Vamos nessa então!
O plano era o seguinte, achar um caminho até a casinha e pedir algumas explicações para o maluco que criava zumbis e de repente o plano não parecia muito certo, não parecia muito elaborado, não era a minha cara.
-Gente.
Eles olharam para mim, a maioria estava entrando no carro.
-Não vamos fazer isso, a gente não faz ideia de com quem estamos lidando, a gente não sabe se ele ta armado e tudo isso, vamos direto pra praia.
E eles começaram a bater nas mãos uns dos outros, comemorando alguma coisa. A Tatz veio até mim.
-A gente sabia que se concordasse com você, você iria pensar melhor. Um plano mal elaborado não é bem a sua cara né?
Eu sorri.
-Bem, vocês estavam certos, e eu errada em agir daquele jeito. me desculpa Tatz. De verdade.
Ela sorriu.
-Não faz mal, a gente também errou em não te contar. Se te faz sentir melhor, o Phe queria te contar, desde que eu saí do hospital.
Eu passei o braço pelos ombros dela, algo que fazíamos pra coisas melhorarem.
-Agora, vamos logo para aquela praia, mesmo não gostando da ideia.
Ela riu.
-Vamos então.
E entramos no carro, a vista da chaminé com fumaça não saía da minha cabeça. No Jipe, Iara, Tatz, eu, a Pammy e a Lala, estávamos discutindo sobre o que faríamos ao chegar na casa de praia.
-Olha, a praia das conchas é um paraíso, eu sei. Mas antes de tudo, fica nas entranhas de uma floresta, eu não faço ideia da situação lá. Eu sei que podem haver sobreviventes, e a primeira coisa a fazer, vai ser limpar o trajeto até a casa. E a própria casa.
Elas concordaram.
-Antes de aproveitar o paraíso, seria melhor certificar que a gente ta pronto pra isso, Bia tem alguma delegacia no caminho?
Eu pensei por alguns instantes, a Pammy tinha razão, e se fossem mais zumbis do que poderíamos dar conta? Tínhamos que nos preparar.
-Tem uma depois do Hotel alguns quilômetros antes da entrada pra praia, deve ter alguma coisa lá.
O walkie-talk estava com a Lala e ela logo avisou os meninos no outro carro que iríamos para numa delegacia. Pronto. Pé na estrada, um cd tocando alto e um destino incerto.
O caminho ate a delegacia não foi difícil. A estrada abandonada, o silêncio claustrofóbico, e os passos que dávamos deixava o ambiente desconfortável. Eu iria esperar no carro, não chegaria perto de matar outra criatura até que fosse seguro pra mim e pra minha cabeça que andava totalmente fora dos eixos. Lá fora, sozinha encostada no Jipe amarelo, não pude deixar de notar a terrível sensação de estar sendo observada. As meninas estavam dentro dos carros de modo que só eu estava para fora. Abri a porta do Jipe.
-Ei, alguém ai ta achando alguma coisa estranha além de mim?
A Iara me observou.
-Eles só saíram á alguns minutos, não deve ser nada sério.
-Não. Não é com relação á isso, eu acho que os meninos conseguem se virar com uma delegacia mas, eu sinto que tem alguma coisa errada em tudo isso. Eu digo, desde que eu vi a casinha na floresta, não fomos atacados nem uma vez.
Elas se entreolharam.
-É verdade.
-Talvez seja só coincidência.
Anne estava com os braços esticados,quase se levantando do banco.
-O que foi?
-Eu acho que eu... Tem alguma coisa ali.
Todas nós nos viramos. Anne havia apontado para uma casa branca com janelas quebradas, o portão estava fechado e tudo parecia muito quieto.
-Eu acho que não é nada.
Tatz estava se sentando de novo, as meninas voltaram para a conversa mas eu continuei observando. A casa, com as paredes desgastadas e os portões enferrujados não parecia agressiva. Mas havia algo lá, e estava olhando para mim. No momento em que me virei ouvi o barulho inconfundível de uma arma sendo carregada.
-Corram!
Primeiro elas me encararam como se eu fosse louca, daí ouvimos cerca de 10 armas sendo carregadas ao mesmo tempo, não era coincidência nenhuma. Corri até um muro baixo que ficava á alguns metros do Jipe onde elas estavam. Tudo estava quieto de modo que não podíamos sussurrar. Qualquer mísero barulho podia ser ouvido e declarado como uma ameaça. Eu sinalizei para que as meninas viessem uma a uma, devagar e sem fazer barulho. Funcionou. Até certo ponto. Com 8 meninas se espremendo contra um murinho, era mais que óbvio que algo ia dar errado, mas foi melhor estarmos fora do carro de modo que podíamos correr. Quando a Lala se virou para dar mais espaço para nós, pudemos ver cerca de 10 pessoas em nossa volta. Em cima de árvores, dentro de casas, em baixo de carros e escondidos entre escombros. Todos eles muito organizados, altamente armados e camuflados. Não era coincidência, mas algo neles me dizia que não eram do exército. Eu me levantei com as mãos sinalizando rendição, eles apontaram as metralhadoras, revólveres e tudo o que tinham em mãos para mim.
-Olha, não queremos encrenca, tá legal?
Um homem alto e vestido  com roupa de guerra se aproximou de mim.
-O que um grupo de garotinhas faz no meio do fim do mundo?
Porque diabos os homens se comportavam como se mandassem em tudo?
-O grupo de garotinhas está tentando fugir do fim do mundo.
Ele riu.
-Você sabe o que significa Fim do mundo menina? É o fim, de todo o universo. Não tem pra onde fugir.
-Então você não se importa em nos deixar tentar, não é?
-Na verdade...
Ele foi interrompido. Uma mulher alta e estranhamente forte chegou por de trás dele. Ela estava com dois revólveres, um em cada mão.
-Não nos importamos.
Ela sorriu.
-Meu nome é Caroline, sou a comandante desse grupo de trogloditas aqui.
Ela riu. O homem que se aproximou de mim não achou graça.
-Oi... Então. Meu nome é Bia, eu tive uma ideia uns anos atrás que acabou me trazendo pra cá.
Ela sorriu e estendeu a mão, eu a apertei.
-Você parece uma menina inteligente, Bia. Surpreende-me que um grupo como o seu tenha chegado até aqui. Você vem de onde?
-São Paulo capital. Todas nós na verdade.
Ela se espantou mais ainda e colocou a mão livre, já que tinha guardado o revólver, em meu ombro.
-Nossa! Incrível mesmo. Me diga, como está a situação por lá?
Aos poucos todos foram relaxando, as meninas estavam de pé e apesar de um pouco assustadas, estavam aliviadas por não termos que enfrentar eles.
-Na verdade, quando eu saí, no primeiro dia, a situação estava pra lá de caótica. Não estávamos preparados para tal acontecimento.
Ela abaixou o olhar.
-Entendo.
-Mas os militares pareciam estar fazendo um grande trabalho na estrada que liga a capital até aqui. Bom, estavam fazendo um grande trabalho até chegarmos lá.
Ela sorriu.
-Bom, sugiro que você e seu grupo entrem conosco. Se quiserem ficar mais alguns instantes, adoraria ouvir como oito garotas como você passaram por uma barreira militar.
O homem que havia se aproximado cochichou algo no ouvido dela.
-Sim, eu entendo. Bom, mande os homens arrumarem espaço. Temos convidados. Seremos hóspedes gentis.
Ela sorriu, e ele se desfez da carranca. O que me surpreendeu.
-Ahn... Caroline?
-Sim, criança.
-Tem mais alguns meninos dentro da delegacia, eles estão conosco também.
Ela sorriu.
-Imaginava que teria ajuda pra passar por tudo o que tenha passado. Bom, vamos entrando, suponho que estejam cansadas.
Relutamos um pouco ao seguir a mulher estranhamente forte até a casa branca e frágil. Os meninos haviam saído da delegacia pouco depois com duas bolsas cheias de armas e munição. Caroline me disse que poderíamos ficar e treinar já que imaginava que nem todos sabíamos como atirar. Nada estranho tinha acontecido realmente, o que poderia dar errado?