Ficamos em silêncio, eu não teria nada a dizer para Blast, o que iria dizer? "Nossa, tá bom." Ou "Ah sim, não tínhamos uma fuga pra planejar?." A melhor opção era ficar em silêncio. Ele se cansou, começou a se levantar quando estendi o cobertor dele.
-Já estou seca, obrigada.
Ele sorriu.
-Não há de quê.
Ele relutou alguns minutos antes de puxar o zíper para abrir a barraca, quando ele finalmente o fez, alguém o puxou para fora. Eu me levantei o mais rápido que pude, tirei a adaga da cintura. Haviam três homens na minha frente, dois deles batiam em Blast para segurá-lo. Um deles sorria e estendia a mão para mim.
-Vamos começar seu desafio, Ghost.
Eu dei dois passos em sua direção, escondi a adaga dentro da blusa. Um dos guardas colocou a mão pesada no meu ombro para me guiar até a Arena.
-Espero que goste do desafio especial que preparei pra você, Ghost.
Jason caminha comigo até o centro da Arena. Estamos sozinhos, eu, Doutor Sociopata e seus seguranças.
-Pra onde você o levou.
Ele olha para mim.
-Receio que você tenha que enfrentar o primeiro desafio sozinha, cada faze requer um tipo de habilidade, esta você deverá cumprir por sua conta e risco.
-O que eu tenho que fazer?
-Você verá.
As luzes da Arena ascenderam e eu pisquei várias vezes para ajustar a visão. Não estávamos sozinhos. A Arena estava lotada com apostadores, como se fosse um dia de jogo normal, eu não via os outros capitães em lugar nenhum, Jason deu dois passos na direção da arquibancada mais próxima.
-Vocês presenciaram a nossa estreante em suas proezas nesse acampamento.
Eu olhei para o telão, imagens minhas lutando no primeiro dia, na festa de iniciação, a tentativa de homicídio de DD também estava ali, as cenas continuaram até parar na nossa briga hoje de tarde.
-Ela não é só forte como também arrasa corações.
Mostraram o beijo que Blast me deu, a Arena gritou.
-Pois vamos ver se ela é habilidosa o bastante para cuidar de corações e ser forte para lidar com os zumbis. Que o desafio comece.
PET trouxe as pressas a minha espada, deixou cair para sussurrar.
-Ele os pegou, mas eles vão detonar a Arena no último desafio. Vai dar tudo certo.
E ela saiu correndo, eu empunhei a espada, olhei ao redor e nada. Nada de zumbis, nada de monstros me perseguindo.
-Não tão rápido.
Doutor Sociopata caminhava na minha direção.
-Antes que você comece a sua parte, deixe-me lhe mostrar o que está em jogo.
Ele bateu palmas duas vezes e uma luz iluminou o rosto machucado e um pouco sujo de terra de três dos meus amigos. Anne, Gabe e Phe estavam amarrados de costas um para o outro á uma árvore. Eu avancei na direção deles mas Jason me segurou.
-Não.
Eu olhei para ele, meu punho foi mais rápido e o acertou em cheio no rosto. Ele se virou.
-Eles são meus amigos seu doente! São pessoas! Eles não escolheram vir aqui!
Eu gritava com eles, com todos eles, pra quem quisesse ouvir. Doutor Sociopata riu.
-Eles escolheram te salvar. Escolheram desafiar minhas regras e te salvar.
Eu dei outro soco no seu rosto.
-Doente.
Eu ouvi um barulho e me virei, alguns zumbis corriam na direção dos meus amigos, eu corri, corri o mais rápido que pude.
-O que eu faço?
-Solta a gente!
Eles disseram em uníssono, eu cortei as cordas, eles cobriram meus flancos.
-Estamos cercados.
-E sem armas.
Várias PET's surgiram com facas, revólveres e pentes de munição.
-Rápido!
Começamos a nos defender, as balas acabaram mais rápido do que pensávamos, mas não sobravam muitos mais.
-Acho que terminamos.
Anne me abraçou com força quando o último zumbi caiu.
-Achei que tinha perdido você.
-Todos nós achamos.
E eles me abraçaram até eu ficar sem ar. Alguém aplaudia. Dessa vez Doutor Sociopata não ficou tão perto dos meus punhos.
-Uma bela cena, mas achei que tinha dito que você não poderia ter ajuda.
Os seguranças agarraram meus amigos e eles estavam presos outra vez.
-Agora vamos ver se consegue jogar de acordo com as regras, sim?
Ele pegou meu braço e me guiou até o centro da Arena outra vez. Ele falou com a plateia, eu olhava para o telão que exibia os "melhores momentos" do primeiro desafio. Meus olhos lacrimejaram quando mostraram meus amigos me abraçando.
-E agora.... O desafio duplo que Ghost pediu. Ela e seu amigo irão enfrentar alguns zumbis.
Os seguranças trouxeram Blast. Ele estava com o rosto machucado, carregava um taco de baseball manchado com sangue. Eles o empurraram e ele caiu de joelhos na areia, eu o ajudei a levantar.
-Eu estou bem.
-Só estou te ajudando.
Doutor Sociopata mandou que mais zumbis viessem, mas Blast se esforçava demais para alguém que não estava tão bem assim. Ele estava exausto quando restavam dois zumbis. Eu estava cansada, a espada era um pouco pesada demais para mim nesse momento, eu empurrei o zumbi que estava mais perto e chutei o peito do outro. Tentava mantê-los no chão, achando um jeito mais simples de matá-los. Empurrei o primeiro zumbi o mais forte que pude e ele bateu com a cabeça em uma árvore, não tive tempo para ver se ele havia morrido, o outro zumbi agarrou meu braço, eu puxava mas ele era forte, girei a espada e cravei-a em sua cabeça. Eu caí de joelhos, estava cansada, com medo e isso estava longe de acabar. O outro zumbi não havia morrido, ele caiu sobre mim na areia, tentava de todos os modos me morder, eu me esquivava e me arrastava pela areia, não queria mais lutar, não queria... Minhas costas batem na arquibancada, é o meu fim. Com um último esforço me coloquei de pé. O zumbi ainda vinha na minha direção, eu estava cansada, encurralada e desarmada. Não iria morrer assim, não vou morrer assim. Na frente de gente que eu não conheço, desarmada e deixando meus amigos sem algum plano de fuga. Deixei que o zumbi chegasse mais perto, pulei para o lado quando ele investiu. Agarrei sua cabeça com os dois braços, tomei cuidado para que sua boca não pudesse alcançar qualquer parte minha. Apoiei a mão esquerda no alto da sua cabeça e a mão direita no queixo e torci seu pescoço. Nunca tinha feito isso antes, o mais perto que cheguei foi imobilizar o meu irmão quando a gente brigava, mas nunca tive força o suficiente pra quebrar o pescoço de ninguém. Na minha cabeça eu via as imagens que vivi nos últimos dias, desde a viajem de São Paulo até aqui, quando cantamos Woman na estrada, quando voltamos pra buscar a Jamille, como eu me senti por ter todos os meus amigos por perto, quando conversei com Lucas na praia, a primeira vez que enfrentei um zumbi com um carrinho de supermercado, quando achamos Anne, Milly, Wood e Gabe, como eu quase quebrei o braço do Wood, quando acampamos numa loja de carros, quando transformamos o Jipe num carro para apocalipses, quando eu atirei em Vinícius, quando acampamos perto da cachoeira, quando brincamos na água, quando achamos a pousada, quando passamos a tarde na piscina quando eu treinei com Blast, quando ele me beijou, quando conversei com as PET'S e quando reencontrei meus amigos. Quando abri os olhos o zumbi caiu no chão, a plateia gritava ensurdecedoramente e eu caí de joelhos. Senti a mão de alguém nas minhas costas, Blast me ajudou a levantar.
-Desculpa por não ter te ajudado com os dois últimos, eu estou melhor agora.
-Tudo bem, eu consegui dar conta de tudo.
Doutor Sociopata veio na minha direção.
-Ótimo, uma verdadeira performance se me permite dizer. Mas eu acho que você devia correr, seus amigos estão bem.... Ocupados.
Ele riu, e eu olhei em volta, não conseguia ver nada além da floresta escura.
-Melhor correr, acho que eles estão bem perto de cair.
Algum holofote guiou meus olhos até o penhasco do meu sonho, meu amigos estavam lá. Eu corri, pulei troncos caídos, desviei de pedras e pedi para que meu cérebro não se lembrasse de todos aqueles filmes de terror que eu já vi. Cheguei ofegante no penhasco, eles estavam encurralados, eu gritei e balancei os braços feito ma maluca, atraindo a atenção dos zumbis para mim. Deu certo, eles se viraram na minha direção e começaram a correr atrás de mim, e eu estava correndo de novo, na floresta escura, tendo de desviar do que eu mal conseguia ver. Eu tropecei algumas vezes, me arranhei em arbustos e tenho certeza de que já deveria ter torcido o tornozelo, viro o rosto pra me certificar que estão todos atrás de mim. Olho, conto, caio. Caio em uma poça de lama e chega até ser ridículo, as mãos impedem que eu me quebre, voa lama pra todo lado, meus joelhos estão afundando. Espera, afundando? Todas as vezes que eu vi areia movediça ela era realmente areia e estava num desenho animado. Nunca achei que tal coisa existisse e cá estou eu, afundando. Tateio em busca de alguma coisa pra me agarrar, acho um tronco caído, me apoio nele e me puxo pra fora da poça lamacenta. Os zumbis ainda estão atrás de mim, continuo fazendo barulho, talvez eles sejam burros o bastante pra cair aí e morrer enterrados. Isso funcionou, a maior parte dos zumbis havia caído dentro da lama e estava presa se afundando cada vez mais, outra parte corria atrás de mim, eu corri mas estava cansada, esgotada, acabada, qualquer palavra que signifique que eu não aguentava mais aquilo servia. Eu estava de volta na areia, tinha corrido metade da costa. Deveria ter caído e morrido de cansaço em algum lugar, mas ainda corria, num ritmo mais desacelerado, mas corria. Devo ter acabado com todas as forças que tinha, estava no centro da Arena, não aguentava mais. Parte da mim pensava " Você não pode desistir, eles estão soltos, isso vai acabar logo." Mas a outra parte pedia para que eu ficasse ali, fechasse os olhos e acabasse com tudo aquilo. Caí de joelhos na areia, não virei a cabeça para ver se os zumbis estavam perto, não olhei para os rostos dos apostadores. Caí na areia e fiquei lá, fechei os olhos para ver se acabava mais rápido. Um dois, três, quatro, cinco minutos talvez, nada de zumbis, nada de mordidas, apenas uma platéia que gritava quase tão alto que era impossível de se ouvir qualquer coisa atrás de mim.
-Ela não morreu certo?
Eu conhecia essa voz, mas estava cansada demais para abrir os olhos.
-Não, também não acho que tenha sido mordida. Seja o que for que ela tem, o criador deve querer muito.
Ter? Eu não tenho nada além de uma cabeça dura, muitos amigos e uma tremenda encrenca.
-Ela devia levantar, não acho que ele vai esperar muito mais.
Alguém toca o meu ombro, eu não abro os olhos. Não quero levantar, não vou conseguir.
-Vamos lá Ghost, eu sei que você consegue, só mais um pouco.
Eu abro os olhos devagar. Minha voz é um sussurro, eu não tenho como ficar de pé.
-Não consigo, cheguei ao limite.
Bloom e Ky estão ajoelhados ao meu lado, o que diabos eles fazem aqui?
-Vamos te ajudar. Não se preocupe.
Eu consigo ficar de pé. Não demora até que eu enxergue o que aconteceu. Várias PET'S estão ali, elas olham de um lado para o outro, procuram alguma coisa. Há corpos de zumbis no chão. Ky e Bloom estão com as armas sujas de sangue.
-O que vocês fizeram?
-Você tem razão, temos que sair daqui.
-Eu não vou conseguir.
-Vai sim.
A voz familiar de Blast me faz olhar para trás. Ele está de pé, a respiração está acelerada e ele está apoiando as mãos nos joelhos, deve ter corrido.
-Sabe o quão cansada eu estou? Não consigo nem levantar um dedo!
Ele sorri.
-Anda Bia, falta pouco.
Vejo meus amigos posicionados ao redor da Arena, não vejo Lucas, Milly e nem o Colírio. Eles devem estar terminando com os explosivos.
-Temos vinte minutos pra acabar com a raça dele e dar o fora daqui.
Ky e Bloom chegam mais perto.
-O que vocês vão fazer?
-Explodir a Arena.
-E os outros jogadores?
-Olha!
Bloom aponta para a arquibancada, todos os líderes exceto DD estão andando na nossa direção.
-Eles vieram ajudar.
-Você não vai precisar se esforçar tanto.
Eu quase sorrio, parece que arranjei mais amigos.
-Vamos lá, temos alguns zumbis para matar.
Os outros líderes chegaram, um deles carregava a minha espada.
-Belo jogo, isso aqui é seu.
-Obrigada.
-Vamos dar o fora daqui.
Eles concordaram com a cabeça. Abrimos um círculo, Blast me disse que o Doutor Sociopata havia dado a liberação dos zumbis, estávamos a espera deles. Demorou algum tempo, eu pude descansar um pouco. O som de gemidos e de passos rápidos começou a ser ouvido. Estávamos preparados- Eu pensava- Vamos dar o fora daqui. Eles surgiram de todas as partes, corriam, gritavam e chegavam mais perto. Eram muitos, mais do que eu já havia enfrentado aqui. Cercados antes mesmo que eu pudesse pensar em fazer alguma coisa, eles atacaram de todos os lados e eu não sabia o que fazer direito, eu corria, respirava, desviava e atacava, tudo isso repetidamente. Um barulho enorme, a primeira explosão. Parecia que eu havia ficado surda, tudo girava um pouco, eu estava de cara na areia protegendo a cabeça, voavam coisas para todos os lados,alguém grita.
-Menos de cinco minutos até a próxima!
Os apostadores correm de um lado para o outro, eu não vejo o Doutor Sociopata em lugar nenhum. ME levanto e vejo que alguns zumbis foram atingidos por destroços, estamos com um número bem reduzido agora. Vejo também que alguns jogadores desavisados foram feridos, eu corro para ajudar. o meio do caminho uma voz ecoa gritando o meu nome. Eu paro, olho para todos os lados tentando identificar. Os que não estão ocupados matando algum zumbi olham também. No meio da fumaça da explosão eu vejo uma silhueta, caminha devagar e um pouco manca talvez, eu não tenho certeza. A voz, a mesma do dia do meu desafio de iniciante, fala diretamente comigo.
-Acha que seus amigos poderão te ajudar? Pense bem Bia, só você pode terminar isso.
A pessoa sai da fumaça, a minha PET vem correndo e tira a minha atenção.
-Seja forte- Ela diz alternando o olhar entre mim e a sombra- Eu consegui isto.
Ela estende para mim uma Glock 45.
-Assim que você o matar isso vai acabar.
E ela sai correndo, eu olho a arma e finalmente olho pra cima. Ele está aqui, não foi só um sonho, eu não estava louca. Vinícius estava aqui. O mesmo Vinícius que eu tinha matado com um tiro na cabeça, o mesmo que perturba meus sonhos desde então, o mesmo que eu pensei ter tentado me afogar ontem á tarde. Eu fico paralisada, a minha cabeça gira, eu sinto que vou cair mas continuo olhando. Ele está parado ali, um pouco mais pálido, com uma cicatriz na testa e as mesmas roupas com que ele estava no dia que morreu.
-Não...
Eu não consigo continuar. Deus, estou perdendo a cabeça. Não é real, não é real, não é real... Ele sorri. Ele sorriu mesmo? Eu estou ficando louca, estou perdendo a cabeça...
-Bia!
Alguém grita o meu nome e eu me viro para olhar, Blast me derruba na areia no momento em que um zumbi me ataca, ele grita, eu grito, o cadáver do menino que eu amava está de pé á poucos metros de mim, ele continua sorrindo. Eu consigo me levantar, o zumbi se arrasta na nossa direção, dois tiros e ele para de se mexer.
-Blast?
Porque ele não levantou° Porque ele não parou de gritar? Porque ele está se contorcendo na areia? Eu coloco a cabeça dele no meu colo.
-Blast!
Ele abre os olhos, me olha por alguns instantes.
-Vai!
Ele diz, mas eu não posso me mexer, estou olhando a ferida no baço dele, ele foi mordido, ele foi mordido, ele foi.
-Bia. Vai!
Eu me levanto, se eu não fosse tão estúpida poderia ter acabado com tudo isso. Se eu não fosse idiota ele não estaria morrendo. Ando na direção do cadáver que continua sorrindo para mim.
-Saudades?
Ele diz, eu dou um passo pra trás.
-Você não é real.
Ele ri, o riso pelo qual uma vez eu fui apaixonada.
-Sou sim amor, bem real.
Ele investe contra mim, eu desvio dos braços que tentam me agarrar.
-Sabe- Ele anda na minha direção- Não foi muito legal o que você fez comigo sabia?- Ele sorri, eu estou andando para trás. Tenho que acabar com isso logo- Atirar em mim daquele jeito? Quanto sangue frio.
Eu o olho, não é ele, não é ele, Jason quer mexer com a minha cabeça, isso tudo não é real.
-Eu fiz bem, poderia ter atirado de novo.
-Então vai lá, atira em mim.
Ele sorri. Para poucos metros na minha frente e estende os braços.
-Mostra pra todo mundo o quanto você é forte, e como já superou. Vai lá, atira em mim de novo. Bem aqui- Ele aponta a cicatriz na testa- Mostra pra você mesma que você não me ama mais.
Ele tem a mesma voz, o mesmo jeito de falar. Eu levanto a arma, ele continua me olhando, nõ consigo olhar para o rosto dele direito, talvez seja a fumaça. Ele ri.
-Você não consegue.
Ele dá um passo na minha direção.
-Conta a verdade vai, você nunca deixou de me amar não é? Aquilo foi um momento de medo e adrenalina, fala pra mim. Fala pra mim que apesar de tudo você ainda preferia estar lá em São Paulo comigo, saindo comigo, ouvindo as palavras que te deixavam bem.
Ele ri. Eu olho no rosto dele, ele não está mentindo, mas eu tampouco sei a verdade. Não sei se preferia estar em São Paulo com ele ou lutando pela minha vida aqui, não sei se estaria feliz lá. Não sei, não sei, não sei...
-Eu te amo Bia.
Eu olho em seus olhos, estão vermelhos, eu podia jurar que estavam sangrando. Não. Ele nunca disse isso com tanta convicção.
-Abaixa essa arma e diz me me ama também.
-Não...
Ele chega mais perto.
-Vamos lá, eu sei que você consegue.
-Não...
-Eu sempre te amei Bia.
Ele está com a testa encostada no cano da arma. Ele sorri, fala aquilo tudo como se fosse verdade, como se nunca tivesse dito antes.
-Mentira!
Eu grito. Há lágrimas nos meus olhos, e eu atiro. Ele caí eu largo a arma e volto correndo. Não ouço, não vejo, não sinto. Sou um corpo vazio, correndo numa praia de areia ensanguentada enquanto explosões derrubam um império que um louco construiu. Eu estou ajoelhada, não enxergo por causa das lágrimas, não escuto por causa das explosões, não sinto por que tudo que fiz foi me manter viva esse tempo todo. Alguém pega a minha mão. Blast está deitado na areia, há sangue na sua roupa, no canto de sua boca e o fundo branco dos olhos está ficando avermelhado. Eu coloco a cabeça dele no meu colo de novo.
-Você vai ficar bem, vai ficar bem...
Perco a voz, não sei se minto para ele, ou para mim. Sei muito bem que em minutos ele vai morrer e depois se levantar e morder o que encontrar pela frente. Sei muito bem disso. Ele sorri.
-Não, não vai.
Eu rio, devo ter perdido tudo o que tinha dentro da cabeça.
-Tudo isso pra você ser mordido. Belo trabalho, Blast.
Eu sorrio, ele também.
-Pedro.
Ele diz.
-O quê?
-Você tinha perguntado o meu nome. Pedro.
Eu sorrio.
-Custava ter me dito antes? Agora está aí, prestes a virar um cadáver ambulante e fica dizendo essas coisas.
Nós dois rimos, ele começa a tossir freneticamente, vira o rosto para o lado quando o sangue começa a sair.
-Eu não tenho muito tempo.
Ele olha pra mim.
-Ninguém tem tempo o bastante. Nós dois sabemos disso.
-Você devia sair daqui, isso tudo vai pelos ares.
-E deixar você aqui pra virar churrasco?
-Melhor um churrasco do que alguma coisa que vai tentar te matar.
-Não fala isso...
-Mas é a verdade! Você tem que ir, anda logo.
Eu começo a chorar de novo, não posso deixar ele aqui.
-Eu só vou te pedir duas coisas.
Eu sorrio.
-As pessoas normais geralmente pedem uma.
Ele sorri.
-Diz logo.
-Primeiro, você vai ter que atirar na minha cabeça quando eu me transformar.
-Não...
-Deixa eu terminar, e segundo...-Ele faz uma pausa pra olhar o meu rosto- me beija de novo?
Eu sou pega de surpresa, sorrio.
-Primeiro de tudo, foi você que me beijou e segundo você acha que é fácil assim?
Ele sorri.
-Qual é? Eu to morrendo...
Mais lágrimas caem enquanto ele tenta falar alguma coisa.
-Você é muito idiota, se não tivesse nesse estado estaria apanhando agora...
-Cala boca e me beija logo!
Ele diz e se levanta um pouco pra chegar mais perto, ele está com os olhos fechados, talvez pela transformação ou pela dor ou por qualquer outro motivo. Eu não quero pensar que ele vai morrer, não quero pensar que não vou mais ouvir as idiotices que ele diz. Não quero pensar, não quero pensar. Nossos lábios se encostam, ficamos assim por um tempo, eu sinto ele sorrir. Estou com os olhos fechados porque quando eu os abrir, ele vai ter que ir embora. Pra sempre. Ele se afasta, vira o rosto pro lado e tosse mais sangue.
-Olha, nunca pensei que antes de morrer eu ia beijar uma menina como você.
Ele sorri.
-O que quer dizer com isso?
-Você é determinada Bia. Matou uns trocentos zumbis pra salvar os seus amigos, e eu sei que você vai conseguir sobreviver, eu sei disso. Se não for você, não vai ser ninguém.
Eu estou chorando de novo.
-É hora Bia. Você vai ter que fazer isso.
Ele sorri. Não entendo como pode sorrir sendo que está prestes a levar um tiro.
-Se esse lance de nascer de novo realmente existir... Eu vou querer te beijar de novo.
Eu sorrio.
-Idiota.
-Vamos lá Bia, eu sei que você consegue.
Eu não aponto a arma, somente olho pra ele, levanto a mão direita e fecho os olhos enquanto meu dedo pressiona o gatilho. Eu choro, não consigo me mover, não consigo falar, nem gritar, nem nada. Só choro e fico de pé. Eu gostaria de poder ter dito alguma coisa inteligente, alguma coisa que o fizesse se sentir melhor, mas não. Tudo o que fiz foi ser encorajada a atirar nele.
-Bia...
Alguém coloca a mão no meu ombro.
-Temos que sair daqui, agora!
Eu não respondo, não consigo ver quem é. Estou encarando o corpo inerte do menino que acabei de matar. Sem tempo, a pessoa me pega no colo, eu enterro a cabeça no ombro de Lucas e choro. Até não poder mais. Um barulho chama a minha atenção, estamos correndo, eu olho para o alto. Há um helicoptero, Doutor Sociopata está nele.
O pesadelo ainda não acabou.
Curti bastante o cap. continue escrevendo assim :)
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