Bem Vindos...

sábado, 24 de março de 2012

Enquanto Eu Estiver Viva.

Eu acordei. Ainda era madrugada, o céu escuro já não possuía estrelas. O que aconteceu? Eu estava deitada no capô do carro, me levantei sem fazer barulho, peguei a arma que esteve do meu lado o tempo todo. Estava tudo ensombreado. Não estava escuro mas não estava totalmente claro. Eu não voltaria a dormir tão cedo, resolvi andar por aí. Em meio á carros desmontados, pessoas dormindo e um céu estranho estava eu, sozinha e com insônia. Eu estava andando, nem sei onde parei. Era uma porta de ferro, estava entreaberta. Claro que eu entrei.

-Droga.
Havia alguém la dentro, estava escuro.
-Oi?
A pessoa deu um pulo e derrubou algumas coisas que ecoaram no pequeno espaço.
-AI!
Eu abri a porta para que pudesse ao menos ver a sombra. Agora já estava mais claro, o Colírio estava ali com uma mochila e algumas latas.
-O que você tá fazendo?
Eu ri, ele parecia todo desajeitado e confuso.
-Eu não posso mais ficar aqui, eu sonhei com a minha irmã e percebi que fiz uma grande besteira deixando eles para trás. Eu tenho que voltar.
-Pera. Para tudo. Como assim? Mas eu achei que seus pais já tinham se tornado... O que você tá fazendo menino?
Ele suspirou.
-Eu os deixei Bia, eles estavam ocupados vendo o noticiário eu sai sem deixar nenhum bilhete. Eu não achei que ficaria tão sério assim. Eu preciso ir.
Eu segurei o braço dele.
-Você tá percebendo o que você tá fazendo? A gente sobreviveu á uma horda de zumbis em um supermercado, sobrevivemos á um ataque no meio da estrada, passamos por militares que queriam proteger essa área. Você vai acabar se matando, eu não posso deixar você fazer isso.
-Eu preciso voltar mocinha...
Ele estava realmente triste. Só me chamava de mocinha quando eu o chamava de mocinho, geralmente quando ele falava algo fora de nexo. Eu não podia deixá-lo ir. Não assim.
-Pega.
Dei a arma para ele, ele não sobreviveria sem ajuda.
-Tem um pente e meio de munição. Só usa quando for necessário. Pega também algum carro e vai seguindo as placas até a auto-estrada. Toma cuidado mocinho.
-Obrigado, Bia.
Ele me abraçou,e então saiu pela porta, estava procurando algum carro quando eu me sentei perto do portão. Havia um zumbi ali, ele estava sem braços e mancava muito, eu estava pensativa. O que faríamos? Aqui era um local seguro, não ficava muito longe do comércio mas estava bem localizado. Poderíamos ficar aqui então. Um carro sendo ligado. Colírio partiria logo e eu perderia mais um amigo.
-Abre o portão pra mim mocinha?
Ele sorriu. Eu não sorriria tão rápido assim.
-Tem certeza que sabe dirigir isso?
Ele escolheu um carro grande e espaçoso que mais parecia uma banheira. Não gosto de carros assim.
-Eu me viro.
Eu abri o portão, que fez um barulho muito alto. Em questão de segundos vários zumbis dispararam da pequena floresta á nossa frente, só podia ser brincadeira.
-Fecha o portão Bia!
-Não dá... Tá emperrado!
Ele desceu do carro e veio me ajudar, tarde demais. Eles estavam em um número muito maior do que o nosso, e só tínhamos duas armas, uma pessoa que sabia atirar e o Lucas. Eu gritei, gritei por que estava com medo de algo acontecer com eles, essa era a minha família. E eu tinha que protegê-la. Eles saíam correndo dos carros e das barracas, olhavam para nós e depois para os zumbis que se aproximavam mais e mais, corriam tentando achar um jeito de nos ajudar, as meninas vieram tentar empurrar o portão, mas era tarde. Eles haviam entrado. Haviam tiros, disparados pelo Phe e pelo Colírio, eles erravam e acertavam, Zumbis caíam e se levantavam. Eu puxei as meninas pelas mãos, corri com elas para os fundos, tentando alcançar os carros. Imagine esta cena em câmera lenta. Eu a via assim, tudo muito devagar do nosso lado e os zumbis correndo rápido demais. Gritos por toda parte, estávamos no Jipe. Ironicamente meu celular estava lá. Eu acelerei, passei por cima de ferramentas, bati em carros e atravessei o pátio no que pareceram anos. Acertei alguns zumbis e bloqueei a passagem do resto.
-Tentem achar outra saída daqui, eu vou ajudá-los.
Corri de volta para meus amigos, ou o resto deles, quando passei pelo Colírio ele me deu a arma. Eu parei.
-O que houve?
-Ajuda eles, eu sou horrível com isso.
Eu recarreguei, não seria capaz de atirar. Eu não tenho mira nenhuma. Eu corri, havia alguns zumbis aglomerados na mesma porta de ferro que o Colírio arrumava as suas coisas. Eu estava perto. perto o bastante para atirar sem errar. Um, dois,três no chão. Esse caíram e eu tinha certeza que não se levantariam mais. Abri a porta e encontrei o Vinny lá dentro, ele estava com cara de pânico e totalmente aterrorizado.
-Pegaram eles. Os desgraçados pegaram eles.
-Calma.
Eu coloquei a mão no seu braço e ele olhou para mim.
-Vamos fugir daqui Bia, eu e você. Estamos dominados não tem como escapar daqui. Á não ser por aquela porta.
Ele apontou para uma pequena e frágil porta de madeira.
-Não, eu não posso deixá-los assim, eu não sou como você.
Ele ficou nervoso.
-Eu errei uma vez Bia! Uma única vez! Você vai me culpar até quando?
-Eu não sei tá legal! Eu fui presa! Se estivéssemos num mundo normal eu nunca iria entrar numa faculdade descente ou num trabalho legal. Você errou, e o seu erro acabaria com a minha vida.
-Não estamos mais num mundo normal.
Ele pegou meu braço e começou a me levar em direção á porta.
-Me larga!
Eu peguei a arma, não era minha intenção atirar nele. Mas foi o caso, a bala acertou seu joelho e ele caiu. Ele gritou, mas parecia não desistir, ele ainda queria me arrastar com ele.
-Eu não vou com você.
-Me dá outra chance Bia.
As lágrimas começaram a cair quando eu olhei para o seu braço, havia uma mordida. Ele percebeu que eu o olhava.
-Isso não significa nada, eu ainda sou eu mesmo.
-Não por muito tempo.
Atirei nele. Não pense que foi á sangue frio. Eu matei o único menino que já amei. Eu o matei enquanto as lágrimas caíam e minhas mãos tremiam. Eu o matei mas não pensei que foi fácil, eu estava pensando no que seria depois. Eu não tinha escolha. Larguei a arma e caí de joelhos chorando ao lado do corpo. Alguém entrou e me puxou, era a Pammy. Ela me ajudou a levantar enquanto eu me recompunha.
-Eles precisam de você.
Ela repetia isso várias vezes enquanto eu olhava para o corpo inerte do garoto que eu acabara de matar. Ela o olhou, viu o sangue, a mordida e a bala.
-Você fez o que precisava, vamos. Eles querem falar com você.
Saindo da salinha eu me deparei com sangue. Muito sangue. No chão, nos carros. Em todo o lugar. Havia corpos também. Zumbis e os amigos do Vinny estavam largados no chão. Era uma cena deprimente de se ver. felizmente, no meu grupo, todos estavam vivos.
-Olha ela aí!
A Tatz veio do meu lado.
-Achei que você tinha sido mordida,  que aconteceu?
-Longa história.
Eu sequei as lágrimas e olhei para o pessoal. Anne, Milly, Jamille, Iara,Lala, Pammy, Tatz, Colírio, Gabe, Phe e Lucas. Faltava alguém. Milly estava chorando e então eu vi o corpo do namorado dela, três balas e uma mordida. Isso não ia mais acontecer.
-Vamos sair agora daqui.
Eles entraram nos carros, alguns ainda pararam para recolher as coisas e voltar rapidamente. Partiríamos hoje. Eu estava no banco de trás do Jipe, sozinha. Não prestei atenção para ver quem dirigia, eu estava fazendo uma promessa. Ninguém mais iria morrer enquanto eu estiver viva.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Um ultimo encontro Parte II

-Eu te conheci antes de tudo isso, foi assim que eu soube.
Sabe quando você dá de cara com uma porta de vidro? Foi o que eu senti.
-Como assim. Ele não estava não estava inseguro, travando ou com dificuldade de explicar como ele me conhecia. Não tinha lugar algum que eu poderia ter conhecido o Lucas.
Ele me encarava.
-Me explica, por favor. Eu realmente não lembro.
Ele suspirou.
-Eu imaginei que você diria isso. Você se mudou para um apartamento na Pitangueiras, ou sua avó. Sei lá. Eu tinha um apartamento lá também, eu vía você com os meninos, mas nunca tive chance de falar com você até que...
-O dia em que jogamos verdade ou desafio. Minha voz era um sussurro, não podia ser o mesmo menino.
Então eu me lembrei.
Faltava uma semana para o ano novo, eu estava jogando cartas com a galera do condomínio.
-Truco!
-Não é justo, eu não sei como esse jogo funciona.
Eu não sabia mesmo como jogar essa porcaria de jogo.
-Por que não jogamos 21?
Milena era a minha amiga do condomínio, mas nada me faria esquecer o velho prédio. Ele estava com as minhas lembranças, a minha infância. Minha vó mudou para cá porque estava com medo da criminalidade na Enseada, só que ela acha que um morrinho vai separar tudo isso.
-Por que vocês jogam então? Vão brincar de fofocar, sei lá.
Victor era o metido do prédio, morava aqui desde os 8 anos e achava que mandava em tudo.
-O baralho é meu seu mané. Vocês só jogam se eu quiser.
Eu mostrei a lingua para ele. Ele bufou.
-Só porque minha mãe não gosta que eu desça as coisas de casa.
E olhei para o céu, como de costume todo estrelado. Essa era a minha ilha, o meu paraíso.
-Vou beber água. Sem olhar minhas cartas em!
Eu me levantei, o bebedouro não era tão longe, mas ficava num canto escuro. Era sinistro, se a noite não estivesse tão bonita eu poderia contar as antigas lendas do meu velho condô. Eu ouvi passos, não que eu estivesse assustada, desde que pisei aqui os meninos tentam me assustar.
-Saiba que isso não vai funcionar meninos, eu sei todas as regras de terror que vocês nunca vão decorar.
Os passos continuavam vindo mais perto.
-Já sei, vocês tem alguma lanterna aí?
Eu estava rindo. Era patético.
-Oi?
A voz era estranha, rouca. Como se não fosse usada a pouco tempo.
-Quem tá aí?
Não que eu estivesse assustada mas não era ninguém que eu conhecesse então era meio estranho.
O menino chegou mais perto, estava a alguns centímetros de mim.
-Nossa como você tá aguentando com esse moletom?
Ele riu.
-To acostumado.
Eu estava de shorts e uma regata, estava quase pulando na piscina de tanto calor e o menino estava de calça jeans e moletom com o capuz sobre o rosto. Ele era estranho.
-Bia!
Gritaram meu nome e Milena estava lá com os meninos. Pedro, Matheus e Gabriel desceram também.
-Vamos jogar Verdade ou Desafio? Eles que deram a idéia. Ah! Oi Estranho.
Ela zombava do menino á minha frente, sem ao menos conhecê-lo.
-Vamos?
-Tá.
Eu olhei par ao menino.
-Quer vir?
Ele se assustou, deu um passo para trás. Milena puxou meu braço e sussurrou no meu ouvido.
-Cara, esse menino é muito estranho, nunca disse uma única palavra toda vez que vem pra cá. Você não vai convidar ele, vai?
-Vou sim.
Eu andei até o menino e o puxei pela mão, ele estava frio. Estranho.
-Bom, já sabem né? Quem não aceitar o desafio vai cumprir algo bem pior.
O jogo continuou até todo mundo cansar e subir. Eu fiquei com o menino estranho até o silêncio tomar conta de tudo.
-Eu te desafio a me contar um plano maluco seu.
Eu sorri e contei para ele sobre meu plano sobre o apocalipse zumbi, ele riu.
-Isso sim é maluco.
Ele me encarou por alguns minutos, o rosto dele estava escuro pela sombra
do capuz.
-TIRA  esse capuz menino!
-Não.
Ele riu. Eu estava prestes a arrancar aquele negócio da cabeça dele quando eu ouço um Bia estridente.
-SOBE AGORA!
-Desculpa.
 Eu disse para o menino e sai correndo antes que minha mãe me matasse.
Eu nunca mais vi aquele menino. E agora o reencontrei.
-Tudo bem?
O Lucas pegou a minha mão.
-Você é aquele menino, o do condomínio. Porque você não me falou antes?
Ele colocou a mão na cabeça.
-Eu não sabia se você ia lembrar de mim.
Ele deu um riso tímido tão fofo.
Eu ouvi um barulho.
-Eu tenho que ir.
Ele pegou minha mão.
-Eu te vejo amanhã.
Quando eu saí o Vinicius estava olhando a cena lá dentro. Foi estranho, mas eu não me senti mal.
Eu deitei no capô do carro, estava cansada demais para procurar o meu celular, cansada demais para dar atenção para o Vinicius e cansada demais para tentar lembrar outra ocasião onde eu tenha visto o Lucas. Eu estava cansada. E eu adormeci com o céu estrelado do meu paraíso e com tantas coisas na cabeça que eu tenho preguiça até de contar.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Um último encontro.

Já era noite. Não estava escuro, estranho. Vai ver tinha estrelas. Não. O céu estava claro e era noite, mas havia algo mais. Talvez seja uma aurora. Talvez signifique que o nosso paraíso está perto.Eu vi algo, mas o que era? Eu não me lembro, era apenas uma sombra. Alguém mexeu em mim e eu acordei. Não me lembro de ter dormido.
-Bia?
A Talita estava me cutucando na perna. Eu estava no Jipe. Quando foi que eu entrei no Jipe?
-Oi?
-Eles querem saber se você vai querer dormir em algum dos carros ou nas barracas que trouxemos, pediram pra eu te acordar.
-Tatz?
-Eu.
-Como eu vim parar no carro.
-Bom, depois que você saiu da oficina você comeu metade de um pacote de bolachas e disse que não tava se sentindo bem. Veio pro Jipe e dormiu.
-Tá, eu perdi algo.
Ela olhou para o lado.
-Me diz.
-Sabe "o" menino?
-Infelizmente sim.
Quando dizíamos "o" menino queríamos dizer o Vinicius.
-Ele tá lá fora, disse que não vai sair até falar com você.
-Tem grades em volta da loja, e um portão de ferro super gigante. Como ele entrou?
-É que a gente tinha deixado os portões abertos para ver se os carros estavam funcionando. Quando eles voltaram a gente esqueceu dos portões, daí duas horas depois eles chegaram com três carros perguntando por você, estão de greve até agora lá.
Ai Deus, o que e vou fazer, se eles ficarem tem uma grande chance de algum deles apanhar ou por mim, pela Jamille ou pela Anne. Se eu mandá-los embora eles podem morrer, ou pior, nos seguir.
-Eu preciso de um tempo pra pensar, não diz nada pra ele, para o pessoal diga que eu to bem aqui no carro, eles podem se ajeitar lá.
-Tudo bem.
Ela saiu, e eu fiquei sozinha. Dei uma olhada no Jipe, estava muito bom. As grades estavam em todas as janelas, haviam pedaços afiados de ferro nas laterais. Um verdadeiro carro de apocalipse, acho que os outros ficaram tão bons quanto esse. Tá. Eu tenho uma difícil decisão pra tomar. Eu fiquei ali, brisando, lembrando e me matando com medo de fazer algo errado. Depois de algum tempo, eu já estava entediada, mas esperava que ele também estivesse. Eu não pedi para ele voltar, eu não pedi para que ele falasse comigo, não depois do dia em que eu fui presa. Então ele que esperasse, mas eu estava exausta e queria que esse teatro acabasse logo.
Assim que eu apareci, ele se endireitou rapidamente. O pessoal cochichava e olhava para mim, provavelmente se perguntando sobre a minha decisão. Vinicius ia caminhar na minha direção mas eu apontei para ele e em seguida para um ponto distante onde ninguém poderia nos ouvir. Eu não estava pronta para enfrentá-lo, eu nunca estive. Seria mais difícil agora que eu tinha nossas vidas em mãos.
-Eu só queria falar que senti...
Eu o interrompi.
-Antes que você fale algo que não vai se lembrar daqui á duas horas, eu quero que saiba que demorou muito para eu me decidir, eu levei em conta coisas que eu desejei ter esquecido e você tem que agradecer por eu ter um bom coração.
Um pequena pausa, meu coração está acelerado. Ele sustenta o meu olhar e eu o desvio olhando para o céu. Por que diabos eu tinha que ser tão fraca quando tenho que ser forte?
-Você vai ficar aqui, só por essa noite. Eu não quero você e seus amigos perto da Anne ou da Jamille nem de nenhuma outra pessoa.
-Eu preciso falar com você.
-Você tem cinco minutos.
-Porque você tá assim? Depois daquele dia eu não pude mais falar com você, minha mãe descobriu sobre a festa, tirou tudo o que eu usava para me comunicar. Eu fiquei de castigo todo o tempo que não falei com você, eu senti sua falta. De verdade. Mas quando eu saí do castigo você não respondia as mensagens, nem me atendia e eu não te encontrava on line em nenhum lugar. Quando essa loucura começou eu pensei tanto em você, lembrei que você disse uma vez que seu plano era ir pra cá. Eu estava em Santos no campeonato de kart e lembrei de você, a corrida inteira. Eu te procurei na casa da sua avó e não te achei, daí entramos no mercado e eu te encontrei. Eu fiquei muito feliz em te ver, mas você estava tão fria e parecia nem se lembrar de mim. Eu queria te explicar. Então eu segui você e os seus amigos.
Porque meu Deus! Porque diabos ele tem que sentir minha falta quando eu estou tão bem, porque eu não consigo esquecer de uma vez o meu passado?
-Eu... Porque você... Mas...
Eu não achava palavras, não achava a minha voz eu não achava nada. Eu estava perdida. Estava sendo atacada por várias lembranças, as lágrimas começaram a cair.
-Eu não vou estar aqui o tempo todo. Você sabe disso, eu não vou poder esperar você sentir minha falta pra sentir muito. Eu sinto muito. Sinto por ter ficado meses sem notícias suas e ainda cair na mesma conversa.
E então antes que eu desabasse ainda mais eu disse as últimas palavras que significariam algo.
-Você pode ficar aqui esta noite, mas eu e você, acabamos aqui.
E então eu saí. Andei sem olhar para trás. Ele ficou lá, eu acho. Alguns passos depois eu estava quase inteira.   O pessoal estava sentado, alguns estirados no chão entre carros, pessoas e comidas.
-Tudo bem?
A Tatz estava em pé, como sempre a do contra.
-Tô legal, já viram onde vocês vão se arrumar?
-Eu queria dormir no Jipe.
Ela fez beicinho.
-Você sabe que isso não funciona comigo, mas eu to afim de ver as estrelas então é todo seu.
Ela deu pulinhos e foi pegar um travesseiro. Eu estava sozinha. Não completamente porquê haviam pessoas perto de mim, e eu não ousei olhar para trás mesmo sabendo que certo alguém estaria ali. Mas eu estava sozinha porque ninguém entenderia, e ninguém iria saber o que estava acontecendo dentro de mim. Que horas são? Esse pensamento aleatório me fez procurar nos bolsos do meu shorts para encontrar meu celular. não estava ali. Talvez no Jipe? Eu andei até a oficina e encontrei a Tatz se ajeitando no banco traseiro.
-Seria bem mais fácil se você deitasse os bancos da frente...
-Eu to legal aqui.
-Ei, você viu meu celular aí?
Ela olhou nos bancos.
-Não, talvez esteja na Hilux ou na bancada da oficina.
-Tá, boa noite Tatz.
-Boa noite Bia.
Eu olhei na bancada e não havia nada com botões e cor de rosa. Só ferrugem e ferramentas. Talvez esteja na Hilux... Eu estava quase saindo da oficina quando algo puxou meu braço direito.
-Deus do céu!
-Desculpa.
Lucas estava com a mão no meu braço, ele estava com um olhar sério.
-Você não se cansa de aparecer desse jeito?
Ele sorriu.
-Desculpa.
-Não foi nada. Aconteceu alguma coisa?
Ele olhou para a mão que segurava meu pulso e depois o soltou.
-Eu queria saber.... Eu queria saber quem é o menino de preto lá fora.
Eu sabia que uma hora ele ia perguntar. Eu respirei fundo. Mas foi bom ele ter perguntado, assim eu lembrei de todas as perguntas duvidosas que eu não fiz.
-Você lembra que eu te contei que eu fui presa?
Ele assentiu.
-Então, eu omiti uma pequena parte da história. Eu na verdade fui presa por culpa do menino de preto.
Ele continuou me olhando, esperando a continuação.
-Bom, eu estava com eles e eles estavam bebendo, fumando e dirigindo. A polícia chegou, todo mundo correu e ele ia pular o muro quando eu me dei conta que poderia sobrar para mim. Só que três dias antes eu me machuquei jogando futebol e por isso não podia pular nada. Então ao invés de me ajudar ele me soltou e eu caí. A polícia me pegou e eu fui presa por não denunciar nada.
-Uau.
-Pois é.
Alguns minutos em silêncio. Como eu perguntaria isso?
-Lucas?
Ele me olhou.
-Como você sabia o caminho para a praia?
-Como assim?
-Ontem, quando você dirigiu até a praia da Enseada. Como você sabia ao caminho até o Guarujá? Como você chegou na Enseada? Como você conhece tão bem a região e o mais importante, como você sabe o nome da praia que estamos indo se ninguém sabe além de mim?
Ele ficou quieto por alguns instantes. Eu achei que ele não iria me responder, mas o que ele disse me surpreendeu mais ainda.
-Eu te conheci antes de tudo isso, foi assim que eu soube.